Relatório Sobre a Estabilidade Financeira Mundial

GLOBAL FINANCIAL STABILITY REPORT - OUTUBRO DE 2018

outubro de 2018

Capítulo 1: Uma década após a crise financeira mundial: Estamos mais seguros?

Passados 10 anos desde a crise financeira mundial, os quadros regulatórios foram reforçados e o sistema bancário se tornou mais forte; contudo, novas vulnerabilidades surgiram e a resiliência do sistema financeiro mundial ainda não foi testado. Desde o nosso mais recente Global Financial Stability Report (GFSR), os riscos de curto prazo para a estabilidade financeira mundial aumentaram um pouco, mas as condições financeiras ainda são amplamente acomodatícias e favoráveis ao crescimento no curto prazo. Dito isso, os riscos poderiam aumentar drasticamente caso as pressões nas economias de mercados emergentes aumentem ou as tensões comerciais se agravem. Enquanto isso, os riscos no médio prazo permanecem elevados, pois as condições financeiras brandas contribuem para um maior acúmulo de vulnerabilidades financeiras.

Ao longo dos últimos seis meses, as condições financeiras mundiais se tornaram marginalmente mais rigorosas e a divergência entre as economias avançadas e as de mercados emergentes cresceu. A expansão econômica mundial continua e oferece uma oportunidade para fortalecer os balanços e reconstruir as reservas, mas o crescimento parece ter atingido seu pico em algumas das grandes economias, conforme discutido no World Economic Outlook (WEO) de outubro de 2018. Contudo, as condições financeiras nas economias avançadas continuam acomodatícias, sobretudo nos Estados Unidos, onde as taxas de juros ainda são baixas em relação aos padrões históricos, o apetite pelo risco é robusto e os ativos estão se valorizando nos principais mercados. As condições financeiras permaneceram amplamente estáveis na China, onde as autoridades tornaram a política monetária menos restritiva para compensar as pressões externas e o impacto de regulamentações financeiras mais rigorosas. Em contrapartida, as condições financeiras na maioria das economias de mercados emergentes ficaram mais restritivas desde meados de abril, em decorrência da elevação dos custos do financiamento externo, do aumento dos riscos idiossincráticos e da escalada das tensões comerciais.

Conforme observado no GFSR de abril, apesar da melhoria dos fundamentos nos últimos anos, as economias de mercados emergentes ainda estão vulneráveis aos efeitos secundários da normalização da política monetária nas economias avançadas e poderiam enfrentar uma redução dos fluxos de entrada de capitais mesmo em um cenário de base relativamente benigno. Desde então, com a elevação das taxas de juros nos EUA, o fortalecimento do dólar e a intensificação das tensões comerciais, várias economias de mercados emergentes experimentaram uma reversão dos fluxos de carteira. Contudo, como o apetite pelo risco mundial ainda se sustenta, as pressões dos mercados têm se concentrado, até o momento, nos países com grandes desequilíbrios externos e quadros de política fracos. No entanto, a análise dos fluxos de capital sob risco feita pelo FMI sugere que é de 5% a probabilidade de, no médio prazo, as economias de mercados emergentes (exceto a China) enfrentarem uma saída de fluxos de carteira na forma de dívida no montante de US$ 100 bilhões ou mais em um período de quatro trimestres (ou 0,6% do seu PIB combinado), o que significaria uma magnitude semelhante à da crise financeira mundial.

Os riscos de curto prazo para a estabilidade financeira mundial — avaliados usando a abordagem de crescimento em risco (GaR) — aumentaram um pouco nos últimos seis meses. No entanto, um aperto bem mais acentuado das condições financeiras nas economias avançadas elevaria consideravelmente os riscos no curto prazo. Se as preocupações com a resiliência e a credibilidade das políticas nos mercados emergentes se intensificarem, pode haver novas saídas de capital e, possivelmente, um aumento da aversão ao risco em todo o mundo. Uma escalada mais ampla das medidas comerciais pode solapar a confiança dos investidores e prejudicar a expansão econômica. A incerteza no campo político e sobre as políticas (por exemplo, se o Brexit ocorrer sem um acordo formal ou se ressurgirem as preocupações com a política fiscal em alguns países altamente endividados da área do euro) poderia afetar negativamente o sentimento do mercado e ocasionar um aumento da aversão ao risco. Por último, com a inflação se firmando, os bancos centrais podem acelerar o ritmo da normalização da política monetária, o que poderia levar a um aperto repentino das condições financeiras mundiais. De modo geral, os participantes do mercado têm tratado com complacência o risco de um aperto brusco das condições financeiras.

Os riscos de médio prazo para a estabilidade financeira mundial e o crescimento permanecem elevados. Um aperto súbito e agudo das condições financeiras poderia trazer à tona uma série de vulnerabilidades acumuladas ao longo dos anos. Nas economias avançadas, as principais vulnerabilidades financeiras são os níveis elevados e crescentes de alavancagem no setor não financeiro, a deterioração contínua das normas de subscrição e avaliações exageradas de ativos em alguns mercados importantes. O total da dívida do setor não financeiro em jurisdições com setores financeiros sistemicamente importantes cresceu de US$ 113 trilhões (mais de 200% do seu PIB combinado) em 2008 para US$ 167 trilhões (quase 250% do seu PIB combinado). Os bancos aumentaram suas reservas de capital e liquidez desde a crise, mas ainda estão expostos por terem em suas carteiras empresas, famílias e devedores soberanos altamente endividados; por deterem ativos opacos e ilíquidos ou por recorrerem a financiamento em moeda estrangeira. O endividamento externo continuou a aumentar na maioria das economias de mercados emergentes. Isso gera problemas para os países que estão enfrentando riscos de financiamento externo e choques comerciais, mas que não detêm reservas adequadas nem dispõem de bases de investidores internos sólidas para amortecer o impacto de choques externos. Em vista desse ambiente externo desafiador, as autoridades nas economias de mercados emergentes devem se preparar para novas pressões para a saída de capitais.

Além da análise dos principais riscos para a estabilidade financeira mundial, este relatório faz um balanço da agenda mundial de reformas regulatórias na última década e examina se o ecossistema financeiro mundial desde a crise evoluiu na direção desejada, ou seja, rumo a um aumento da segurança.

Do lado positivo, a ampla agenda regulatória definida pela comunidade internacional ajudou a fortalecer o sistema bancário mundial. Conseguiu-se reduzir algumas das formas perniciosas de serviços bancários paralelos que se desenvolveram no período que antecedeu a crise, e a maioria dos países agora conta com uma autoridade macroprudencial e algumas ferramentas para supervisionar e conter os riscos para o sistema financeiro.

Contudo, uma série de fatores pode ter ocasionado certa fragmentação no financiamento e na liquidez dos mercados. Os órgãos reguladores estão cada vez mais concentrados na liquidez de instituições individuais dentro de grupos bancários internacionais. Uma maior delimitação da liquidez, sobretudo no contexto da resolução durante períodos de estresse, pode gerar benefícios, porém existe o risco de que isso possa fragmentar a liquidez nos grupos bancários internacionais. Nos mercados de capitais, a liquidez dos mercados parece ter se tornado mais segmentada, por exemplo, em diferentes plataformas de negociação. Embora não haja indícios claros de uma deterioração generalizada da liquidez dos mercados, seria justificado monitorar cuidadosamente as condições de liquidez.

Para aumentar ainda mais a resiliência do sistema financeiro mundial, a agenda de reformas da regulamentação financeira deve ser cumprida, evitando-se um retrocesso nas reformas. Para abordar adequadamente os riscos sistêmicos em potencial, convém aplicar de forma mais proativa a regulamentação e supervisão financeira. Ferramentas macroprudenciais amplas, como as reservas de capital anticíclicas, devem ser usadas mais ativamente nos países onde as condições financeiras permanecem acomodatícias e as vulnerabilidades são grandes. Além disso, a estabilidade financeira exige novas ferramentas macroprudenciais para fazer face às vulnerabilidades fora do setor bancário. Por último, os órgãos reguladores e supervisores devem manter-se atentos a novos riscos, inclusive a possíveis ameaças à estabilidade financeira decorrentes da cibersegurança, da tecnologia financeira e de outras instituições ou atividades fora do perímetro da regulamentação prudencial.
 

Capítulo 2: As Reformas Regulatórias 10 Anos Após A Crise Financeira Mundial: Examinar O Passado De Olho No Futuro

RESUMO

A crise financeira mundial obrigou a uma revisão da arquitetura regulatória das finanças mundiais. Novas normas, ferramentas e práticas foram elaboradas e começaram a ser implementadas em todo o mundo; o FMI contribuiu de forma importante para essa iniciativa.

Com base no que se sabe hoje, este capítulo passa em revista as principais falhas na supervisão do setor financeiro antes da crise e avalia o progresso na implementação da agenda de reformas concebida para resolvê-las. Além disso, examina se as mudanças na estrutura do mercado e os riscos no sistema financeiro mundial desde a crise seguiram a direção pretendida pela nova agenda regulatória, ou seja, rumo a um aumento da segurança.

A avaliação mostra que, uma década após a crise financeira mundial, avançou-se bastante na reforma da regulação das finanças mundiais. A ampla agenda definida pela comunidade internacional deu origem a novas normas, que contribuíram para um sistema financeiro mais resiliente, isto é, menos alavancado, mais líquido e mais bem supervisionado. Entre os principais êxitos, figuram a implementação dos acordos de Basileia III sobre capital e liquidez e a ampla adoção de testes de estresse para o setor bancário. As formas de shadow banking mais estreitamente relacionadas com a crise financeira mundial foram coibidas, e a maioria dos países conta hoje com autoridades macroprudenciais e algumas ferramentas para supervisionar e conter riscos para o conjunto do sistema financeiro. Além disso, a supervisão bancária se tornou mais intensa, sobretudo no caso dos grandes bancos; os regimes de resolução bancária foram melhorados e a expectativa de resgates pelos governos parece ter diminuído.

Este capítulo também lança um olhar para o futuro, identificando áreas em que são necessários novos progressos ou uma consolidação. As prioridades são concluir a implementação da razão de alavancagem e de estruturas para a resolução bancária internacional e para a solvência de seguradoras. As autoridades macroprudenciais também devem dispor das ferramentas adequadas para conter os riscos sistêmicos. É preciso consolidar os avanços obtidos até o momento em áreas complexas, como as práticas de remuneração bancária e o uso das agências de classificação de crédito, mas talvez sejam também necessárias novas ideias.

As iniciativas de reforma do setor financeiro devem continuar a ser coordenadas no plano internacional. Convém avaliar o impacto mais amplo das reformas 10 anos após a crise financeira mundial, e as consequências não intencionais das reformas devem ser analisadas e tratadas. O FMI apoia uma aplicação proporcional da regulamentação e da supervisão, ou seja, a complexidade das normas e o grau de esforço e escrutínio da supervisão devem ser proporcionais à importância sistêmica de cada instituição e à importância mundial de cada jurisdição. Um retrocesso nas reformas poderia gerar oportunidades de arbitragem regulatória e levar a uma corrida ao fundo do poço tanto na regulação como na supervisão. Isso poderia tornar o sistema financeiro mundial menos seguro e comprometer a estabilidade financeira.

À medida que o sistema financeiro continua a evoluir e vão surgindo novas ameaças à estabilidade financeira, os órgãos reguladores e supervisores devem se manter atentos aos riscos. Deve-se dar prioridade à supervisão em novas áreas, como fintech e cibersegurança, e manter sob vigilância contínua o perímetro de regulamentação prudencial em áreas como a gestão de ativos. Por último, como nenhuma estrutura regulatória poderá reduzir a zero a probabilidade de uma crise, os reguladores precisam manter a humildade. Os desdobramentos recentes documentados neste capítulo mostram que os riscos podem migrar para novas áreas, e os órgãos reguladores e supervisores precisam permanecer alertas a essa evolução.