Relatório Sobre a Estabilidade Financeira Mundial

Vulnerabilidades em um ciclo de crédito em amadurecimento

abril de 2019

As condições financeiras se tornaram mais restritivas desde o Global Financial Stability Report (GFSR) de outubro de 2018, mas permanecem relativamente acomodatícias, sobretudo nos Estados Unidos. Após quedas acentuadas no último trimestre de 2018, os mercados financeiros tiveram uma forte recuperação no início de 2019 graças ao crescente otimismo sobre as negociações comerciais entre os EUA e a China e à abordagem mais paciente e flexível adotada pelos principais bancos centrais quanto à normalização da política monetária. Essa mudança para um abrandamento das perspectivas da política monetária nas economias avançadas ajudou a sustentar o sentimento positivo do mercado a despeito dos sinais cada vez mais claros de enfraquecimento do crescimento mundial (conforme discutido no World Economic Outlook de abril de 2019).

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Capítulo 1: Vulnerabilidades em um ciclo de crédito em amadurecimento

Resumo do relatório

Como as condições financeiras ainda são acomodatícias, as vulnerabilidades continuam a aumentar. O aperto nas condições financeiras no último trimestre de 2018 foi curto demais para causar uma desaceleração significativa no acúmulo de vulnerabilidades e, assim, praticamente não alterou os riscos de médio prazo para a estabilidade financeira mundial. Atualmente, as vulnerabilidades financeiras estão elevadas em vários países sistêmicos, nos setores soberano, empresarial e financeiro não bancário. À medida que o ciclo de crédito amadurece, as vulnerabilidades do setor empresarial — que se mostram elevadas em cerca de 70% dos países sistemicamente importantes (segundo o PIB) — poderiam amplificar uma desaceleração da economia.

 

Este relatório apresenta um novo quadro para uma avaliação abrangente das vulnerabilidades dos balanços nos setores financeiros e não financeiros, e se debruça sobre uma série de vulnerabilidades específicas nas economias avançadas e de mercados emergentes.

 

  • Dívida do setor empresarial nas economias avançadas: A capacidade de pagar o serviço da dívida melhorou na maioria das economias avançadas, e os balanços se mostram fortes o bastante para sustentar uma desaceleração econômica moderada ou um aperto gradual das condições financeiras. No entanto, a dívida global e a tomada de riscos financeiros aumentaram, e a capacidade creditícia de alguns devedores se deteriorou. Em consequência, o estoque de títulos com grau de investimento de classificação mais baixa (BBB) quadruplicou, e o estoque de créditos de grau especulativo quase dobrou nos Estados Unidos e na área do euro desde a crise. Assim, uma desaceleração significativa da economia ou um aperto acentuado das condições financeiras poderiam levar a uma reprecificação considerável do risco de crédito e pressionar a capacidade das empresas de pagar o serviço da dívida. Se as condições monetárias e financeiras permanecerem brandas, a dívida provavelmente aumentará ainda mais caso não sejam tomadas medidas de política, o que faria surgir a perspectiva de uma contração mais forte no futuro.

  • O vínculo entre os setores soberano e financeiro na área do euro: Os desafios fiscais na Itália reacenderam as preocupações sobre o vínculo entre os setores soberano e financeiro. Os coeficientes de capital dos bancos agora estão mais altos na área do euro. Contudo, as possíveis perdas com empréstimos improdutivos e quedas no valor dos títulos públicos em decorrência da marcação a mercado poderiam acarretar um impacto significativo no capital de alguns bancos. As companhias de seguro também poderiam ser envolvidas por esse vínculo por deterem um volume considerável de títulos de soberanos, bancos e empresas. Existe o risco de que a pressão sobre o setor financeiro possa ser repassada, mais uma vez, para as empresas e famílias, afetando o crescimento econômico.

  • Os desequilíbrios financeiros da China e suas possíveis repercussões: As vulnerabilidades financeiras na China continuam elevadas, e as autoridades têm diante de si escolhas difíceis: apoiar o crescimento de curto prazo, fazer face aos choques externos adversos e conter a alavancagem por meio de uma regulamentação mais rigorosa. Os bancos de pequeno e médio porte continuam fracos, o que pesa sobre as condições de financiamento para as empresas menores. No entanto, uma maior flexibilização monetária e do crédito poderia aumentar as vulnerabilidades, pois uma expansão contínua do crédito poderia retardar ou impedir a recomposição dos balanços bancários e agravar o viés atual da alocação de crédito. Nesse meio tempo, a importância da China para outros mercados emergentes continuará a aumentar com sua inclusão nos índices de referência; a previsão é que os fluxos de carteira para a China aumentem em até US$ 150 bilhões até 2020 em consequência de sua inclusão em um índice de títulos global.

  • Fluxos de carteira voláteis para os mercados emergentes: Esses fluxos são cada vez mais influenciados por investidores atentos aos índices de referência. O montante de recursos investidos com base em índices de títulos de mercados emergentes seguidos amplamente quadruplicou nos últimos 10 anos, chegando a US$ 800 bilhões. As estimativas também sugerem que 70% das alocações de fundos de investimento nos países são influenciadas por índices de referência. Uma vez que os investidores atentos a esses índices são mais sensíveis à variação das condições financeiras mundiais do que outros investidores, os benefícios de aderir a um índice podem ser atenuados pelos riscos para a estabilidade financeira de alguns países. À medida que esses investidores tomem uma fatia maior dos fluxos de carteira, os choques externos podem se propagar para economias de médio porte de mercados emergentes e de fronteira mais rapidamente do que no passado.

  • Preços imobiliários em risco (indicador HaR, na sigla em inglês): O rápido e recente aumento dos preços imobiliários em muitos países gerou preocupações quanto à possibilidade de uma correção de preços. Um novo quadro, preços imobiliários em risco, apresentado no Capítulo 2 deste relatório, é usado para quantificar os riscos de deterioração do aumento desses preços. A queda do dinamismo dos preços imobiliários, a sobrevalorização, a expansão excessiva do crédito e as condições financeiras mais restritivas ajudam a prever os riscos de deterioração dos preços dos imóveis residenciais até três anos à frente. Por sua vez, o indicador HaR ajuda a projetar riscos de deterioração do crescimento do PIB e a prever crises financeiras. Os dados mais recentes apontam para um aumento dos riscos de queda dos preços dos imóveis residenciais num período de um a três anos em alguns países.

  • De olho no futuro, existe o risco de uma deterioração abrupta do sentimento positivo dos investidores, ocasionando um aperto acentuado das condições financeiras. Isso terá um efeito maior sobre as economias com fundamentos mais fracos, maiores vulnerabilidades financeiras e menos espaço em termos de políticas para responder aos choques. Os possíveis gatilhos são os seguintes:

     

  • Uma desaceleração econômica mais aguda do que o esperado poderia levar a condições financeiras mais restritivas à medida que os preços dos ativos de risco caiam, refletindo uma perspectiva mais fraca em termos de lucros das empresas, mesmo que as políticas se tornem mais acomodatícias.

  • Uma mudança inesperada para uma perspectiva menos branda para a política monetária nas economias avançadas poderia desencadear uma reprecificação nos mercados, sobretudo se os investidores perceberem que sua visão da orientação da política monetária era benigna demais.

  • Os riscos políticos e em matéria de políticas, como a escalada das tensões comerciais ou um Brexit sem acordo, podem afetar o sentimento do mercado e levar a um aumento agudo da aversão ao risco.

  • Em meio ao aumento dos riscos de deterioração do crescimento mundial, as autoridades devem procurar evitar uma desaceleração mais acentuada da economia e, ao mesmo tempo, manter as vulnerabilidades financeiras sob controle:

     

  • As autoridades devem comunicar claramente toda reavaliação da orientação da política monetária decorrente de mudanças nas perspectivas econômicas ou de riscos para as perspectivas. Isso ajudará a evitar oscilações desnecessárias nos mercados financeiros ou uma volatilidade do mercado comprimida indevidamente.

  • Nos países com vulnerabilidades financeiras altas ou crescentes, as autoridades devem agir de forma proativa e lançar mão de ferramentas prudenciais ou ampliar seus conjuntos de ferramentas macroprudenciais conforme necessário. Seria vantajoso para esses países tomar medidas macroprudenciais amplas ou torná-las mais rigorosas, como as reservas de capital anticíclicas, a fim de aumentar a resiliência do sistema financeiro. Além disso, convém envidar esforços para desenvolver ferramentas prudenciais com o intuito de enfrentar o crescimento da dívida das empresas com intermediários financeiros não bancários e fazer face ao descasamento de vencimentos e liquidez no setor não bancário. Os órgãos reguladores também devem zelar para que os credores bancários e não bancários sejam submetidos a testes de estresse mais abrangentes (abordando, também, os efeitos das reações macrofinanceiras).

  • Convém intensificar as medidas para recompor os balanços públicos e privados. Um ajuste fiscal gradual é necessário para reduzir os elevados riscos, com base em políticas que apoiarão o crescimento no médio prazo. Deve-se manter os esforços para fazer face aos empréstimos improdutivos nos balanços dos bancos da área do euro. Dadas as preocupações com o vínculo entre os setores soberano e financeiro, poderia ser estudada a possibilidade de mitigar o risco de concentração nas exposições soberanas dos bancos.

  • As economias de mercados emergentes devem assegurar sua resiliência contra os fluxos de saída de carteira estrangeiros. Para isso, devem cortar as obrigações externas excessivas, reduzir a dependência do endividamento de curto prazo e manter um nível suficiente de reservas fiscais e cambiais. Em vista da crescente importância dos fluxos de carteira baseados em indicadores de referência, é necessário um estreito diálogo entre os provedores de índices, a comunidade de investimento e os órgãos reguladores. Com base nos avanços obtidos até o momento, as autoridades chinesas devem dar continuidade às políticas de desalavancagem e eliminação de riscos do setor financeiro e dar mais atenção ao tratamento das vulnerabilidades bancárias. Reformas estruturais, como a redução da ênfase nas metas de crescimento e o aperto das restrições orçamentárias para as empresas estatais chinesas, serão essenciais para reduzir a má alocação de crédito.
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    Resumo de Capítulo 2

    Um forte recuo dos preços dos imóveis pode ter um efeito negativo sobre o desempenho macroeconômico e a estabilidade financeira, como se observou durante a crise financeira mundial de 2008 e outros episódios históricos. Estes vínculos macrofinanceiros resultam das muitas funções que os imóveis assumem para as famílias, as pequenas empresas e os intermediários financeiros: bem de consumo, investimento de longo prazo, reserva de riqueza e garantia de empréstimos, entre outras. Nesse contexto, o rápido aumento dos preços dos imóveis verificado em muitos países nos últimos anos gerou alguma preocupação com a possibilidade de um declínio e suas consequências.


    Nesse cenário, o presente capítulo examina e quantifica os preços dos imóveis em risco – uma medida dos riscos de baixa para o crescimento futuro dos preços dos imóveis – numa amostra de 32 economias avançadas e de mercados emergentes, bem como em cidades importantes. O capítulo conclui que o menor dinamismo dos preços dos imóveis, a supervalorização, o crescimento excessivo do crédito e o aperto das condições financeiras apontam para uma intensificação dos riscos para os preços dos imóveis nos próximos três anos. A medida dos preços dos imóveis em risco ajuda a estimar os riscos de baixa para o crescimento do PIB acima e além de outras medidas mais simples de desequilíbrios dos preços dos imóveis e, por isso, reforça os modelos de alerta antecipado de crises financeiras. As estimativas mostram que houve uma rotação dos riscos de baixa dos preços dos imóveis após a crise financeira mundial: os países com maior risco no final de 2007 enfrentam hoje riscos menores, mas em muitas economias avançadas e de mercados emergentes os preços dos imóveis ainda estão sujeitos a riscos.


    Este capítulo analisa também a relação entre as políticas e os preços dos imóveis em risco. Embora os níveis dos preços dos imóveis não devam ser considerados como uma meta direta das políticas monetária ou macroprudencial, ou das medidas de gestão dos fluxos de capital, a ligação entre as medidas de política econômica e os riscos de baixa para os preços dos imóveis pode ajudar a elucidar como tais medidas afetam a vulnerabilidade do setor imobiliário e a estabilidade financeira. Os resultados indicam que um aperto das políticas macroprudenciais está associado a uma redução dos riscos de baixa para os preços dos imóveis. Isso ocorre especialmente no caso das políticas formuladas para reforçar a resiliência dos tomadores, como a aplicação de limites máximos ao LVT (valor do financiamento/valor do imóvel) ou à relação serviço da dívida/renda. A política monetária também pode influenciar os riscos de baixa por meio de sua relação com as condições financeiras, mas o capítulo conclui que, além disso, uma flexibilização inesperada da taxa de juro de política monetária está vinculada a riscos de baixa menores para os preços dos imóveis, porém unicamente nas economias avançadas e a curto prazo. Assim, conclui-se que, no cômputo geral, políticas macroprudenciais oportunas e bem direcionadas são mais eficazes que a política monetária para reduzir os riscos de baixa. A relação com as medidas de gestão dos fluxos de capital é mais sutil, e alguns resultados sugerem a existência de uma associação temporária entre o aperto dessas medidas e a redução dos riscos de baixa nas economias avançadas.  


    O que as autoridades econômicas podem fazer com essas informações? Além de construir margens de proteção para os bancos e assegurar que as famílias não se superendividem, as autoridades responsáveis pela estabilidade financeira podem utilizar as estimativas dos preços dos imóveis em risco para complementar outros indicadores de supervisão de vulnerabilidades do mercado imobiliário e orientar as medidas de política macroprudencial destinadas a construir uma margem de proteção e reduzir as vulnerabilidades. Os riscos de baixa dos preços dos imóveis podem também conter informações importantes para as autoridades monetárias no momento de formar uma opinião sobre os riscos de baixa para as perspectivas económicas e de inflação.