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Políticas econômicas na guerra contra a COVID-19

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Este blog faz parte de uma série especial sobre a resposta ao coronavírus.

Giovanni Dell’Ariccia, Paolo Mauro, Antonio Spilimbergo e Jeromin Zettelmeyer

A pandemia de COVID-19 é uma crise sem paralelos. Parece uma guerra e, em muitos sentidos, é exatamente isso. Pessoas estão morrendo. Os profissionais da saúde estão na linha de frente. Aqueles em áreas de serviços essenciais, distribuição de alimentos, entregas e serviços de utilidade pública trabalham dobrado para apoiar a causa. E há também os soldados invisíveis: os que lutam contra a pandemia confinados em suas casas, incapazes de contribuir plenamente para a produção.

Numa guerra, gastos maciços com armamentos estimulam a atividade econômica e disposições especiais asseguram a manutenção dos serviços básicos. Nesta crise, as coisas são mais complexas, mas uma característica comum é o papel crescente do setor público.

Correndo o risco de simplificar demais a situação, pode-se dizer que as políticas públicas devem distinguir duas fases:

Fase 1: A guerra. A pandemia está no ápice. A fim de salvar vidas, são impostas medidas de mitigação que reduzem drasticamente a atividade econômica. Essa fase pode se prolongar por um ou dois trimestres.

Fase 2: A recuperação pós-guerra. A pandemia será controlada com o uso de vacinas/medicamentos, imunidade de grupo parcial e a manutenção de medidas de contenção menos disruptivas. Conforme as restrições vão sendo abolidas, a economia pouco a pouco volta à normalidade.

O bom ritmo de recuperação dependerá enormemente das políticas adotadas durante a crise. Se elas garantirem que os trabalhadores não percam seus empregos, que proprietários e inquilinos não sejam despejados, que as empresas não quebrem e que as redes econômicas e comerciais sejam preservadas, a recuperação será mais rápida e sem percalços.

Trata-se de um enorme desafio para as economias avançadas, cujos governos podem facilmente financiar um aumento extraordinário das despesas mesmo enquanto suas receitas estão em queda. O desafio é ainda maior para os países de baixa renda e economias emergentes que enfrentam a fuga de capitais; eles terão que contar com subvenções e empréstimos da comunidade internacional (um tema que será ser tratado em blogs futuros).

Medidas de política em tempos de guerra

Ao contrário de outros episódios de desaceleração econômica, a queda do produto nesta crise não é provocada pela demanda: é uma consequência inevitável de medidas para limitar a propagação da doença . Assim, o papel da política econômica não é estimular a demanda agregada, pelo menos não no início. Ela deve se concentrar em três objetivos:

  • Garantir o funcionamento de setores essenciais . Deve-se reforçar o aporte de recursos para o diagnóstico e tratamento da COVID-19, bem como manter os serviços normais de saúde, produção e distribuição de alimentos, infraestruturas essenciais e serviços de utilidade pública. Isso pode até envolver ações invasivas por parte do governo para garantir o abastecimento de produtos essenciais, invocando “poderes de guerra” para a priorização de compras públicas de insumos e produtos finais de importância crítica, a conversão de indústrias ou a nacionalização seletiva. Exemplos disso são o confisco de máscaras de proteção pela França no início da pandemia e a ativação da Lei de Produção de Defesa nos Estados Unidos para garantir a produção de equipamento médico. Medidas como o racionamento, os controles de preços e regras contra a estocagem excessiva talvez sejam também necessárias em situações de escassez extrema.

  • Prover recursos suficientes para as pessoas atingidas pela crise . As famílias que direta ou indiretamente perderem sua fonte de renda devido às medidas de contenção precisarão do auxílio do governo. Esse auxílio serve para garantir que as pessoas fiquem em casa mas mantenham seus empregos (a licença-médica custeada pelo governo reduz a circulação de pessoas e, assim, o risco de contágio). O seguro-desemprego deve ser ampliado e prolongado. É preciso que os trabalhadores autônomos e sem emprego tenham acesso aos programas de transferência monetária.

  • Impedir perturbações econômicas excessivas. As políticas devem salvaguardar a rede de relações entre empregados e empregadores, produtores e consumidores, mutuantes e mutuários, para que a atividade econômica possa ser retomada a pleno vapor quando a emergência médica for superada. O fechamento de empresas pode provocar a perda de conhecimento organizacional e a interrupção de projetos produtivos de longo prazo. Os distúrbios no setor financeiro também amplificariam as dificuldades econômicas. Os governos devem prestar apoio em caráter excepcional às empresas privadas, inclusive na forma de subsídios salariais, nas condições apropriadas. Já foram instituídos programas de empréstimos e garantias em grande escala (com os contribuintes a assumir os riscos em última instância), e a União Europeia flexibilizou suas regras de auxílio do Estado para facilitar injeções diretas de capital nas empresas. Se a crise se agravar, uma opção seria o estabelecimento ou a expansão de grandes sociedades de gestão de participações do Estado para assumir empresas privadas com problemas, como ocorreu nos Estados Unidos e na Europa durante a Grande Depressão.

A situação de emergência justifica a maior intervenção do setor público enquanto persistirem as circunstâncias excepcionais, desde que isso seja feito com transparência e com cláusulas de caducidade automática claras.

As políticas de apoio a famílias, empresas e ao setor financeiro serão um misto de medidas de liquidez (concessão de crédito, diferimento de obrigações financeiras) e de solvência (transferências de recursos reais; ver quadro).

Será preciso administrar diversos dilemas. Transferências ou empréstimos subsidiados que beneficiem grandes empresas devem estar condicionados à preservação de empregos e a limites à remuneração dos executivos, ao pagamento de dividendos e à recompra de ações. A falência garantiria que os acionistas arcassem com parte dos custos, mas também causaria um deslocamento econômico significativo. Uma opção intermediária seria o governo adquirir uma participação na empresa. Quando o problema é a liquidez, o crédito do banco central (mediante programas de compra de ativos) ou de outros intermediários financeiros controlados pelo governo (por meio de empréstimos e garantias) revelou-se eficaz em crises anteriores. Há também muitas questões práticas envolvidas na identificação e no apoio a empresas de pequeno e médio porte e trabalhadores autônomos duramente atingidos. Nesses casos, deve-se considerar o uso de transferências diretas com base nos pagamentos de impostos no passado.

Essas políticas internas terão de ser apoiadas pela manutenção do comércio e da cooperação internacionais, que são fundamentais para vencer a pandemia e maximizar as chances de uma recuperação célere. Limitar o movimento de pessoas é uma medida necessária de contenção, mas os países devem resistir ao instinto de paralisar o comércio internacional, sobretudo no que se refere a produtos de saúde e ao livre intercâmbio de informações científicas.

Do isolamento à recuperação

Promover a recuperação terá seus próprios desafios, entre eles níveis mais elevados de dívida pública e, possivelmente, novas áreas da economia sob controle governamental. Mas o sucesso relativo na Fase 1 garantirá a volta do funcionamento normal da política econômica. As medidas fiscais de estímulo à demanda serão cada vez mais eficazes à medida que mais pessoas possam sair de casa e voltar ao trabalho.

Antes da pandemia, a previsão para a maioria das economias avançadas era de taxas de juros e inflação baixas por um longo período. Impedir graves transtornos nas cadeias de suprimentos deve manter a inflação à distância durante as fases de emergência e recuperação. Se as medidas para conter a propagação do vírus forem bem sucedidas, o aumento necessário no coeficiente de endividamento público terá sido considerável, mas as taxas de juros e a demanda agregada provavelmente permanecerão baixas na fase de recuperação. Nessas circunstâncias, o estímulo fiscal será uma resposta apropriada e altamente eficaz na maioria das economias avançadas. E isso facilitará a suspensão das medidas excepcionais introduzidas durante a crise.

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Giovanni Dell’Ariccia é Diretor Adjunto no Departamento de Estudos do FMI. Anteriormente trabalhou no Departamento da Ásia e do Pacífico. Suas áreas de estudo incluem o setor bancário, a dimensão macroeconômica do crédito, a política monetária, as finanças internacionais e a condicionalidade dos programas de crédito e de assistência internacionais. Graduou-se pela Universidade de Roma e doutorou-se em Economia pelo MIT. É pesquisador associado do Centre for Economic Policy Research (CEPR).

Antonio Spilimbergo doutorou-se em economia pelo MIT. Ingressou no FMI em 1997, e atualmente é Subdiretor do Departamento de Estudos. Chefiou missões para o Brasil, a Itália, a Eslovênia, a Rússia e a Turquia. É pesquisador associado do CEPR e do CreAm. Coorganizou a edição dos livros “Brazil: Boom, Burst, and the Road to Recovery” e “Getting Back on Track: Growth, Employment, and Rebalancing in Europe”. É autor de vários artigos em importantes publicações acadêmicas, como American Economic Review,Review of Economic Studies,Journal of International Economics, Review of Economics and Statistic e American Economic Journal: Macroeconomics .

Paolo Mauro é Subdiretor do Departamento de Finanças Públicas do FMI. Anteriormente, ocupou vários cargos de chefia nos Departamentos da África, de Finanças Públicas e de Estudos do FMI. Foi pesquisador sênior no Peterson Institute for International Economics e professor visitante na Carey Business School da Universidade Johns Hopkins de 2014 a 2016. Seus artigos já foram publicados em periódicos como Quarterly Journal of Economics,Journal of Monetary Economics e Journal of Public Economics, e são amplamente citados no meio acadêmico e em importantes veículos da imprensa. É o coautor de três livros: “World on the Move: Consumption Patterns in a More Equal Global Economy”, “Emerging Markets and Financial Globalization” e “Chipping Away at Public Debt”.

Jeromin Zettelmeyer retornou ao FMI em agosto de 2019 para assumir o cargo de Subdiretor do Departamento de Estratégia, Políticas e Avaliação. Foi pesquisador sênior no Peterson Institute for International Economics, Diretor Geral de Política Econômica do Ministério de Assuntos Econômicos da Alemanha (2014-2016), Diretor de Estudos e Subchefe de Economia de Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (2008-2014) e membro do corpo técnico do FMI (1994-2008). É pesquisador associado do CEPR e membro do CESIfo, e liderou a rede de estudos e políticas do CEPR sobre a arquitetura econômica europeia em 2018-19. Publicou artigos em importantes periódicos econômicos e é coator de Debt Defaults and Lessons from a Decade of Crises, um estudo sobre as crises da dívida soberana nas décadas de 1990 e 2000. Doutorou-se em Economia pelo MIT e licenciou-se em economia pela Universidade de Bonn.