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Crise alimentar mundial exige assistência às pessoas, comércio aberto e ampliação da produção agrícola local

Desafio humanitário sem precedentes requer medidas rápidas para aliviar o sofrimento daqueles que não têm o suficiente para comer e para fornecer financiamento aos países necessitados

Desafio humanitário sem precedentes requer medidas rápidas para aliviar o sofrimento daqueles que não têm o suficiente para comer e para fornecer financiamento aos países necessitados

Kristalina Georgieva, Bjoern Rother e Sebastian Sosa

A insegurança alimentar vem aumentando desde 2018. Mesmo antes da invasão da Ucrânia pela Rússia, a crescente frequência e gravidade dos choques climáticos, os conflitos regionais e a pandemia tiveram consequências nefastas, interrompendo a produção e distribuição dos alimentos e aumentando o custo da alimentação de pessoas e famílias. A situação deteriorou-se com a guerra na Ucrânia, que elevou ainda mais o preço dos alimentos e fertilizantes, prejudicando por sua vez os importadores, e motivou vários países a impor restrições às exportações.

O resultado é um número sem precedentes de 345 milhões de pessoas cujas vidas e meios de subsistência estão em perigo imediato em decorrência da insegurança alimentar aguda. E cerca de 828 milhões de pessoas vão dormir com fome todas as noites, de acordo com o Programa Alimentar Mundial.

O impacto do choque alimentar é sentido por toda parte. O sofrimento é pior em 48 países, muitos dos quais são altamente dependentes de importações da Ucrânia e da Rússia, em sua maioria países de baixa renda. Desses, cerca de metade apresenta vulnerabilidade especial devido a graves desafios econômicos, instituições fracas e fragilidade.

Paralelamente ao custo humano, os custos financeiros também estão aumentando. Um novo estudo realizado pelo corpo técnico do FMI estima que o impacto da elevação dos custos das importações de alimentos e fertilizantes de países altamente expostos à insegurança alimentar representará um acréscimo de US$9 bilhões às pressões sobre a balança de pagamentos em 2022 e 2023. Essa dinâmica irá corroer as reservas internacionais dos países e sua capacidade de pagar pelas importações de alimentos e fertilizantes.

Em muitos lugares, ainda que os preços dos alimentos estejam abaixo de seu pico recente, os preços ainda altos dos alimentos (e da energia) estimularam uma crise de custo de vida que deve aumentar a pobreza e prejudicar o crescimento, o que possivelmente contribuirá para a instabilidade política.

Em decorrência disso, muitas autoridades econômicas introduziram medidas fiscais para proteger as pessoas da atual crise alimentar. Somente para este ano, estimamos que os países altamente expostos precisam de até US$ 7 bilhões para ajudar as famílias mais pobres a sobreviver.

Resposta rápida

São necessárias medidas de política econômica vigorosas e oportunas em quatro áreas para mitigar a crise alimentar mundial e evitar o sofrimento humano.

Em primeiro lugar, auxílio ágil e adequado às pessoas vulneráveis à insegurança alimentar por meio da assistência humanitária do Programa Alimentar Mundial e de outros organismos, bem como medidas fiscais internas eficazes. As autoridades econômicas de todo o mundo devem priorizar o combate à inflação e a proteção dos mais vulneráveis a fim de aliviar o peso da crise do custo de vida. A assistência social no curto prazo deve se concentrar na oferta de socorro alimentar emergencial ou transferências de renda para as populações carentes, conforme anunciado recentemente por Djibuti, Honduras e Serra Leoa. Quando isso não for possível, subsídios e medidas fiscais menos satisfatórias podem proporcionar alívio temporário.

Em segundo lugar, manter o comércio aberto, inclusive no nível regional, permitirá garantir o fluxo de alimentos das áreas de produção excedente para as áreas necessitadas. Devemos consolidar os avanços conquistados no âmbito da Iniciativa de Grãos do Mar Negro e por ocasião da 12a Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio por meio da eliminação urgente das proibições à exportação impostas pelos grandes produtores de alimentos. Segundo o Banco Mundial, medidas protecionistas só agravam a crise alimentar, e representam nada menos que 9% do aumento dos preços mundiais do trigo.

Em terceiro lugar, ampliar a produção de alimentos e melhorar a distribuição, inclusive por meio da garantia de acesso adequado a fertilizantes e da diversificação de culturas agrícolas. A ampliação do financiamento ao comércio e o fortalecimento das cadeias de abastecimento são vitais para equacionar o atual choque dos preços dos alimentos. O Banco Mundial e outros bancos multilaterais de desenvolvimento desempenham um papel fundamental ao aumentar o financiamento do comércio de commodities agrícolas e outros produtos alimentícios, além de seu apoio aos países para a modernização de áreas essenciais de logística e infraestrutura.

Em quarto lugar, o aumento da produção agrícola futura exigirá investimentos em agricultura resiliente ao clima. A intensificação e maior imprevisibilidade dos fenômenos climáticos estão aumentando a insegurança alimentar. Os países de baixa renda, sobretudo na África Subsaariana, figuram entre os menos preparados para enfrentar os efeitos da mudança do clima. As soluções devem ser adaptadas às circunstâncias dos países, com foco em medidas de baixo custo e alto impacto, como o investimento em novas variedades de culturas, a melhoria do manejo de recursos hídricos e a difusão de informações. Por exemplo, a Etiópia, o Quênia e o Ruanda estão lançando mão da tecnologia móvel para fornecer aos agricultores previsões de chuva para otimizar o plantio de culturas e permitir a compra de seguro agrícola.

Ação decisiva

A comunidade internacional também precisa tomar medidas decisivas para assegurar a disponibilidade do financiamento necessário para lidar com a crise imediata e fortalecer a segurança alimentar no médio e longo prazos.

Instituições especializadas em segurança alimentar, como o Programa Alimentar Mundial e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, precisam receber financiamento adequado por desempenharem um papel imprescindível com sua presença local em muitos países e um foco inabalável no custo humano da insegurança alimentar aguda.

Há uma necessidade urgente de mais doações e financiamentos concessionais de doadores e organismos internacionais para viabilizar a assistência em dinheiro e em espécie para aqueles em situação de insegurança alimentar mais aguda. Em alguns países, também será necessário o alívio da dívida.

Como uma linha de defesa adicional, o financiamento do FMI auxilia os países no atendimento das necessidades de financiamento externo associadas ao choque alimentar global. Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, novos programas econômicos apoiados pelo FMI em Benin, Cabo Verde, Geórgia, Moçambique, Tanzânia e Zâmbia incluíram políticas para enfrentar o impacto da crise alimentar. Um financiamento adicional para programas existentes na Jordânia, Moldávia, Paquistão e Senegal serviu de apoio a novas medidas para fortalecer as redes de segurança social e combater a insegurança alimentar.

Espera-se que uma nova janela de financiamento contra o choque alimentar como parte dos mecanismos de financiamento de emergência do FMI seja aprovada esta semana pela Diretoria Executiva. A janela ampliará o acesso ao financiamento de emergência por um ano para os países mais vulneráveis. Nos casos em que as doações e financiamentos concessionais dos parceiros não forem suficientes ou quando um programa apoiado pelo Fundo não for possível, a janela oferecerá um novo canal de apoio do FMI.

Esta crise alimentar mundial tem um impacto humanitário assombroso e custos financeiros de vulto. Requer uma abordagem abrangente e bem coordenada para assegurar a complementaridade e máxima eficiência no uso dos recursos. Com o Banco Mundial e nossos parceiros mundiais, recentemente publicamos uma segunda declaração conjunta conclamando à ação contra a insegurança alimentar mundial.

Precisamos todos agir para aliviar o sofrimento daqueles que passam fome apoiando as necessidades financeiras dos países que adotam medidas de política sólidas.

—Este blog também traz contribuições de Guillaume Chabert, Daehaeng Kim, Lukas Kohler, Gaëlle Pierre, Naoya Kato, Majdi Debbich e Chiara Castrovillari.

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Kristalina Georgieva (biografia no link)

Björn Rother está no FMI desde 2002 e atualmente é Chefe da Divisão de Empréstimos Concessionais no Departamento de Estratégia, Políticas e Avaliação (SPR). Já ocupou os cargos de Revisor Sênior no SPR, chefe de missão para a Tunísia e o Turcomenistão e diretor das Unidades de Estratégia no Departamento do Oriente Médio e Ásia Central, bem como no Departamento de Recursos Humanos. Seus principais interesses profissionais incluem desenvolvimento econômico, transformações econômicas e políticas, o impacto econômico do conflito e os determinantes políticos das crises monetárias, temas sobre os quais publicou um livro em 2009. Antes de ingressar no FMI, foi consultor na McKinsey. Björn é PhD em Economia pela Universidade Livre de Berlim e formado pela London School of Economics e pela Sciences Po de Paris.

Sebastián Sosa é atualmente Subchefe da Unidade de Estratégia e da Divisão de Política de Empréstimos do Departamento de Estratégia, Política e Revisão (SPR) do FMI. Anteriormente, foi o Representante Residente do FMI para a Sérvia e a Macedônia do Norte. Também trabalhou em várias missões envolvendo diferentes regiões, incluindo Espanha, Chile, México, Bolívia, Uruguai e Líbano, e fez parte da Divisão de Estudos Regionais do Departamento do Hemisfério Ocidental, produzindo estudos e análises entre países sobre questões macroeconômicas relacionadas com a América Latina e o Caribe. Antes de integrar o FMI em 2006, foi professor de macroeconomia na Universidad de la República e pesquisador do Centro de Estudos de Assuntos Econômicos e Sociais (CERES), um grupo de reflexão no Uruguai. Suas áreas de especialização e de pesquisa incluem macroeconomia e finanças internacionais. Elaborou vários estudos acadêmicos e documentos de política que foram publicados em livros e revistas econômicas. Doutorou-se em Economia pela Universidade da Califórnia (UCLA) em 2006.

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