É hora de agir para honrar os compromissos de Paris sobre as mudanças climáticas

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As mudanças climáticas são o grande desafio existencial de nossos tempos. Trata-se de um desafio que se estende a todas as regiões, com consequências especialmente graves para os países de baixa renda.

Se não forem tomadas ações de mitigação, as temperaturas globais devem subir 4°C acima dos níveis pré-industriais até o fim deste século, com riscos crescentes e irreversíveis de colapso das camadas de gelo, inundação de Estados insulares de baixa altitude, eventos climáticos extremos e cenários de aquecimento descontrolado.

O aquecimento global também poderia implicar um risco mais elevado de extinção de grande parte das espécies, propagação de doenças, enfraquecimento da segurança alimentar e redução das fontes renováveis de águas de superfície e subterrâneas.

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A boa notícia é que essa ameaça premente inspirou uma resposta multilateral sem precedentes. Ao todo, 190 partes apresentaram estratégias climáticas — quase todas com algum tipo de compromisso de mitigação — para o Acordo de Paris de 2015. Agora é a hora de pensar de forma realista sobre como honrar esses compromissos.

A necessidade de mecanismos eficazes de precificação do carbono

Há um consenso cada vez maior de que a precificação do carbono, ou seja, cobrar pelo conteúdo de carbono dos combustíveis fósseis ou de suas emissões, é o instrumento de mitigação mais eficaz. Ela oferece incentivos em muitas vertentes para reduzir o consumo de energia, usar combustíveis mais limpos e mobilizar financiamento privado.

Além disso, é fonte de receitas muito necessárias, que devem ser alocadas de modo a reorientar as finanças públicas em apoio ao crescimento sustentável e inclusivo. A melhor maneira de colocar em prática essa ideia varia de país para país. Em alguns casos, significa investir em pessoas e infraestrutura para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Em outros, pode significar reduzir impostos que prejudiquem os incentivos ao trabalho e o crescimento.

Um novo estudo do FMI discute como os preços do carbono podem ser usados para cumprir os compromissos de Paris relativos à mitigação do CO2. Os compromissos e os preços do carbono necessários para cumpri-los variam bastante de um país para outro, e o estudo considera o impacto sobre a emissão de CO2 de preços de US$ 35 e US$ 70 por tonelada de carbono. Um preço consideravelmente inferior a US$ 35 por tonelada seria suficiente para cumprir os compromissos dos países do G‑20, que juntos respondem por quatro quintos das emissões mundiais, bem como os compromissos individuais de alguns dos principais membros do G-20, como a China e a Índia.

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Embora o preço de US$ 35 por tonelada praticamente dobraria os preços do carvão, ele aumentaria em apenas 5% a 7% os preços dos combustíveis nos postos. Contudo, para alguns países com compromissos mais ambiciosos, mesmo um preço de US$ 70 por tonelada ficaria aquém do necessário.

Mas mesmo que os compromissos atuais fossem honrados integralmente, o resultado seria a contenção do aquecimento projetado no nível ainda bastante ameaçador de 3°C, em vez da meta de 1,5°C a 2°C prevista no Acordo de Paris. A meta de 2°C exigiria reduzir as emissões em quase um terço até 2030, além de um preço global do carbono de cerca de US$ 70 por tonelada.

Uma primeira medida rumo à precificação do carbono foi tomada com a adoção de mais de 50 mecanismos de tributação e comercialização de emissões de carbono nas esferas regional, nacional e subnacional. Contudo, isso é claramente só o começo, pois o preço médio mundial do carbono é de apenas US$ 2 por tonelada.

Também é evidente que a precificação do carbono pode ser muito difícil do ponto de vista político. Vimos exemplos disso em todas as latitudes. Assim, é crucial administrar o processo na sua plenitude. Isso em geral implica adotar a precificação do carbono gradualmente e comunicar de forma clara como as respectivas receitas serão utilizadas, mantendo um equilíbrio entre distribuição, eficiência e considerações políticas.

Mesmo nessas condições ideais, talvez sejam necessários outros instrumentos para reforçar a precificação do carbono ou mesmo substituí-la. O estudo do FMI ilustra os trade-offs pertinentes a 135 países por meio de uma ferramenta que quantifica os impactos fiscais, econômicos e em termos de emissões de uma série de instrumentos de mitigação alternativos. Uma abordagem promissora é evitar um aumento politicamente difícil dos preços dos combustíveis, ao complementar a precificação do carbono com mecanismos de subsídios fiscais neutros em termos de receita para oferecer mais incentivos à geração de energia mais limpa, à transição para veículos menos poluentes e a melhorias em matéria de eficiência energética.

No plano internacional, poderíamos ser mais ambiciosos ao reforçar o processo de Paris com um acordo voluntário em torno de um piso para o preço do carbono entre os grandes emissores. Esse piso garantiria um nível mínimo de esforços de mitigação entre os participantes e, ao mesmo tempo, ofereceria alguma garantia contra perdas de competitividade. Os países avançados poderiam aceitar uma parcela maior de responsabilidade pela mitigação, adotando um preço mínimo mais alto. E o mecanismo poderia ser concebido de forma flexível, de modo a acomodar as circunstâncias e políticas nacionais.

Reforma dos subsídios à energia

Outro ponto importante é que os danos causados pelo uso da energia de combustíveis fósseis não se limitam às mudanças climáticas. Seu impacto local também inclui mortes decorrentes da poluição do ar, congestionamentos e acidentes de trânsito.

Por todos esses motivos, a abordagem atual adotada por muitos países para lidar com os preços da energia é equivocada, mesmo se deixarmos de lado as preocupações com o clima.

Segundo estimativas apresentadas em um novo documento da série IMF Working Papers, os subsídios globais à energia de combustíveis fósseis decorrentes da subavaliação dos custos ambientais e de oferta somaram impressionantes US$ 5,2 trilhões em 2017, ou 6,5% do PIB mundial, valor praticamente inalterado em relação a nossas estimativas anteriores . Muitas das vantagens da reforma dos preços são locais, para que os países possam se beneficiar e, ao mesmo tempo, ajudar a enfrentar as mudanças climáticas em todo o mundo. Uma conclusão fundamental é que a solidariedade vai ao encontro do interesse próprio.

Quase todos os que trabalham com questões climáticas aceitam, em princípio, a ideia de uma reforma para a precificação do carbono e da energia. Os ministérios das finanças, tendo reconhecido sua responsabilidade, precisarão ser ágeis ao buscar oportunidades para oferecer incentivos fortes, sem perder de vista as restrições políticas e distributivas, e criar e aprimorar instrumentos para esse fim. No FMI, mantemos o otimismo de que boas práticas continuarão a surgir e prosperar, com um efeito catalisador sobre os demais. É difícil subestimar a urgência dessa tarefa, pois a janela de oportunidade para conter o aquecimento global em níveis administráveis está se fechando rapidamente. Todas as pessoas, todas as instituições e todos os países precisam agir. Juntos podemos fazer a diferença!

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Christine Lagarde é Diretora-Geral do Fundo Monetário Internacional. Após cumprir seu primeiro mandato de cinco anos, foi renomeada para um segundo mandato em julho de 2016. Cidadã francesa, foi Ministra das Finanças da França de junho de 2007 a julho de 2011, tendo servido também como Ministra de Estado de Comércio Exterior por dois anos.

Christine Lagarde teve uma longa e destacada carreira como advogada especializada em direito concorrencial e trabalhista. Foi sócia do escritório de advocacia internacional Baker & McKenzie, do qual foi eleita presidente em outubro de 1999. Ocupou o cargo máximo do escritório até junho de 2005, quando foi indicada para sua primeira pasta ministerial na França. É formada pelo Instituto de Ciências Políticas (IEP) e pela Faculdade de Direito da Universidade Paris X, onde lecionou antes de ingressar no Baker & McKenzie em 1981.

Uma biografia mais completa pode ser encontrada aqui .

Vítor Gaspar, cidadão português, é Diretor do Departamento de Finanças Públicas do Fundo Monetário Internacional. Antes de ingressar no FMI, ocupou vários cargos superiores na área de políticas do Banco de Portugal, inclusive, mais recentemente, o de Conselheiro Especial. Foi Ministro de Estado e das Finanças de Portugal de 2011 a 2013. Chefiou o Gabinete de Conselheiros de Política Econômica da Comissão Europeia de 2007 a 2010 e foi Diretor-Geral de Estudos Econômicos no Banco Central Europeu de 1998 a 2004. Doutorou-se e agregou-se em Economia pela Universidade Nova de Lisboa, tendo também estudado na Universidade Católica Portuguesa.