Interesse em moedas digitais de bancos centrais cresce na América Latina e no Caribe, mas o uso de criptomoedas varia
22 de junho de 2023
Rina Bhattacharya é economista sênior, Dmitry Vasilyev é economista e Mauricio Villafuerte é chefe de divisão no Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI.
As CBDCs — se bem projetadas — poderiam reduzir os custos das remessas e aumentar a inclusão financeira. Mas para que os criptoativos continuem a ser uma opção segura no sistema de pagamentos, precisam ser regulamentados.
Rina Bhattacharya, Dmitry Vasilyev e Mauricio Villafuerte
A América Latina e o Caribe (ALC) aparecem na vanguarda da adoção do dinheiro digital e estão oferecendo lições valiosas para o resto do mundo. Enquanto El Salvador ganhou as manchetes ao transformar o bitcoin em moeda de curso legal, outros países da ALC avançaram de forma considerável na adoção de moedas digitais dos bancos centrais (CBDCs, do inglês Central Bank Digital Currencies) para aumentar a inclusão financeira e a resiliência dos sistemas de pagamentos ou para reduzir os custos das remessas internacionais, como mostra o nosso mais recente estudo.
As Bahamas foram pioneiras ao adotar uma CBDC na forma do Sand Dollar em 2020, e a União Monetária do Caribe Oriental (UMCO) e a Jamaica seguiram pelo mesmo caminho. O projeto da CBDC do Brasil também está na fase avançada da prova de conceito, buscando aprimorar a “tokenização de ativos” ao transformar ativos, como imóveis, ações e commodities, em representações digitais para facilitar sua transferência e aumentar sua liquidez.
Cumpre notar que quatro países latino-americanos (Brasil, Argentina, Colômbia e Equador) figuraram entre os 20 que mais adotaram criptoativos no mundo em 2022. Eles buscam os benefícios que os ativos digitais prometem oferecer, como proteger contra condições macroeconômicas nacionais incertas, escapar a controles de capital, aumentar a inclusão financeira de populações não bancarizadas, agilizar e baratear os pagamentos, e fortalecer a concorrência.
Contudo, a adoção de criptoativos também apresenta numerosos desafios e riscos, sobretudo para os países vulneráveis da ALC com histórico de instabilidade macroeconômica, baixa credibilidade institucional, fluxos substanciais de capital, corrupção e grande informalidade. Em doze das dezenove jurisdições da região pesquisadas para nosso artigo em meados de 2022, uma estrutura regulatória especial já vigorava ou estava em vias de ser criada.
Adoção de criptoativos
A regulamentação dos criptoativos varia entre os países da ALC. Embora El Salvador tenha transformado o bitcoin em moeda de curso legal ao declará-lo por lei um instrumento de pagamento válido para liquidar transações e obrigações financeiras, outros países, como a Argentina e a República Dominicana, proibiram o uso de criptoativos devido à preocupação com questões como o impacto na estabilidade financeira, a substituição de moedas e ativos, a evasão fiscal, a corrupção e a lavagem de dinheiro.
A experiência de El Salvador com o bitcoin sugere que há riscos ao adotar criptoativos sem lastro, ou seja, os que dependem da oferta e demanda, e não de outro ativo, para ter valor e que estão sujeitos a uma volatilidade de preço significativa, mesmo quando garantidos explicitamente pelo governo. Uma pesquisa nacional de 2022 aponta que o bitcoin ainda não é um meio de troca amplamente aceito em El Salvador, apesar de ser uma moeda de curso legal e receber incentivos substanciais do governo.
A adoção efetiva das stablecoins — criptoativos que visam a ter um preço estável atrelado a um ativo específico — também pode gerar dificuldades, conforme demonstrado pelo projeto‑piloto da Meta. Essa empresa teria permitido que os usuários nos EUA e na Guatemala fizessem pagamentos nacionais e internacionais sem taxas por meio da sua carteira digital, chamada Novi. Embora pudesse levar a uma redução dos custos dos pagamentos internacionais, o projeto também apresentava o risco de substituição da moeda nacional na Guatemala. Ele acabou sendo encerrado em 2022, em meio à pressão regulatória no Ocidente contra a incursão da Meta no campo das criptomoedas.
A promessa das CBDCs
A maioria dos bancos centrais da ALC está analisando a possibilidade de adotar CBDCs, e algumas nações insulares já lançaram CBDCs próprias. De acordo com nossa pesquisa com funcionários de governos da região, metade dos entrevistados estava considerando opções de CBDCs de varejo (ou seja, concebidas para o público em geral) e de atacado (isto é, destinadas ao uso por instituições financeiras).
A maioria dos participantes da pesquisa viu essas moedas digitais como um meio de melhorar seus sistemas de pagamentos e ampliar o seu acesso. Consideraram a inclusão financeira e a soberania monetária fatores cruciais a favor da emissão de CBDCs de varejo por facilitarem a integração dos não bancarizados e restringirem a substituição de moedas por stablecoins ou criptoativos.
Além desses objetivos, os bancos centrais da UMCO e das Bahamas lançaram CBDCs próprias para impulsionar a inclusão financeira de comunidades em ilhas remotas e reforçar a resistência do sistema de pagamentos a desastres naturais e pandemias. A lenta aceitação e as rupturas no acesso às CBDCs nesses países destacam a importância de investir na conscientização do público e numa infraestrutura robusta para promover a adoção dessas moedas.
Gestão de riscos
Os criptoativos apresentam riscos que variam de acordo com as circunstâncias de cada país. O FMI ofereceu orientações sobre os principais elementos de uma resposta de política adequada para mitigar os riscos e, ao mesmo tempo, aproveitar os possíveis benefícios da inovação tecnológica associada aos criptoativos.
Se forem bem projetadas, as CBDCs podem melhorar a facilidade de uso, a resiliência e a eficiência dos sistemas de pagamentos e aumentar a inclusão financeira na ALC.
Embora alguns países tenham proibido totalmente os criptoativos em virtude dos riscos, essa abordagem pode não funcionar no longo prazo. Antes, convém à região se concentrar em abordar os fatores que impelem a demanda por criptomoedas, como as necessidades de pagamentos digitais dos cidadãos que não são atendidas, e em aumentar a transparência ao registrar as transações em criptoativos nas estatísticas nacionais.
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