Os migrantes da Venezuela trazem oportunidades econômicas para a América Latina

19 de dezembro de 2022

Mais de 7 milhões de venezuelanos fugiram do país desde 2015, com 6 milhões se estabelecendo em outros países latino-americanos. O maior episódio migratório da história da região tem como determinante o colapso da economia do país, que deixou os venezuelanos lutando para suprir suas necessidades básicas.

Estima-se que a diminuição do produto interno bruto da Venezuela tenha sido superior a 75% entre 2013 e 2021, a maior para um país que não esteve em guerra nos últimos 50 anos. A pandemia de COVID-19 agravou a crise econômica e humanitária do país e, em 2020, mais de 95% dos venezuelanos viviam abaixo da linha de pobreza.

A chegada dos venezuelanos em busca de uma vida melhor tem pressionado as economias — e sociedades — dos países de destino na América Latina que já estão tentando equilibrar orçamentos apertados, sobretudo desde a pandemia.

A Colômbia, que recebeu o maior número de migrantes venezuelanos, estima ter gastado cerca de US$ 600 por migrante em 2019. Esse montante abrangeu ajuda humanitária, saúde, creche, educação, moradia e ajuda na busca de emprego. Com a chegada de mais de 2 milhões de pessoas, isso se traduz em US$ 1,3 bilhão em assistência. Em 2019, esse custo chegou ao pico de 0,5% do PIB colombiano.

No longo prazo, porém, esse investimento tem o potencial de aumentar o PIB dos países anfitriões em até 4,5 pontos percentuais até 2030, como constatamos no nosso mais recente estudo sobre as repercussões da migração da Venezuela.

Para colher os benefícios da migração, os países de destino precisam integrar os recém-chegados à força de trabalho formal — e à sociedade — oferecendo de imediato autorizações de trabalho e acesso a educação e saúde.

Fluxos migratórios

Após uma breve interrupção durante a pandemia, quando muitos países fecharam as fronteiras, a migração da Venezuela foi retomada e deve continuar nos próximos anos, embora a um ritmo mais lento.

Estimamos que os migrantes venezuelanos serão cerca de 8,4 milhões até 2025 — mais de 25% da população do país em 2015.

As características dos migrantes evoluíram à medida que a crise econômica se intensificou. A primeira onda de migrantes era formada, na sua maioria, por profissionais com nível de escolaridade elevado. A segunda era composta por jovens de classe média com diploma universitário. Desde que a economia entrou em colapso em 2017-18, os migrantes tenderam a vir de famílias de baixa renda e com nível de escolaridade mais baixo.

De modo geral, o perfil demográfico dos migrantes da Venezuela é semelhante ao da população local dos países de destino. Quase dois terços estão em idade produtiva e quase metade é do sexo feminino.

A maioria se estabeleceu em outros países da América Latina, enquanto alguns migraram para países da América do Norte e da Europa, sobretudo os EUA e a Espanha.

Enquanto a Colômbia continua a ser o principal destino, o Chile, o Equador e o Peru também receberam fluxos consideráveis, com um número combinado de imigrantes superior a 2 milhões, ou mais de 3% da população local, em média.

Efeito sobre os mercados de trabalho

Nosso estudo revela que os migrantes venezuelanos, muitos dos quais com um nível de escolaridade melhor do que o da população local, enfrentam um desemprego mais alto, têm maior probabilidade de trabalhar inicialmente no setor informal e ganham menos do que os trabalhadores locais. 

Não encontramos evidências de que os migrantes estejam tirando o lugar dos trabalhadores locais, embora tenhamos visto uma pressão descendente sobre os salários no setor informal.

A diferença salarial entre os trabalhadores locais e os migrantes cresce com o nível de escolaridade, o que sugere uma má alocação de capital humano — as habilidades, o conhecimento e a experiência dos trabalhadores —, pois os migrantes com bom nível de instrução tendem a encontrar apenas empregos que exigem pouca qualificação. Em média, os trabalhadores locais ganham cerca de 30% mais do que os migrantes.

Custo e benefícios

Na análise, constatamos que oferecer aos migrantes assistência humanitária e acesso aos serviços públicos gera um custo fiscal considerável e pressiona os orçamentos dos países de destino, como mostra o exemplo da Colômbia.

Contudo, a análise também identifica grandes ganhos de produtividade e crescimento no médio prazo em decorrência de um aumento da força de trabalho e de um melhor alinhamento do capital humano dos migrantes com os empregos. Esses ganhos são maiores no caso dos países que recebem fluxos maiores de migrantes com nível de escolaridade melhor em relação ao da população nacional.

Estimamos que, com o devido apoio e políticas de integração, a migração da Venezuela tem o potencial de aumentar o PIB real no Peru, Colômbia, Equador e Chile em 2,5 a 4,5 pontos percentuais até 2030 em comparação com um cenário de referência sem a migração.

 

Além disso, projetamos que o custo da integração dos migrantes diminuiria com o tempo, à medida que os migrantes passassem a fazer parte da força de trabalho, aumentando a atividade econômica e ampliando a base tributária.

Apoio contínuo

No início da crise migratória, os países da América Latina acolheram migrantes venezuelanos e prestaram apoio sob a forma de dispensa de visto, cartões de mobilidade e acesso a assistência humanitária, saúde, educação e creche. Os migrantes também receberam autorizações de trabalho e credenciais para ajudá-los na integração no mercado de trabalho.

Contudo, em 2018 e 2019, vimos uma mudança nas políticas à medida que os fluxos migratórios se intensificaram. Enquanto alguns países adotaram novos programas para facilitar a integração dos migrantes, outros tornaram a entrada mais difícil para os venezuelanos, ao exigir mais documentos.

Os países devem continuar a apoiar os migrantes e ajudá-los a se integrar no setor formal para que possam encontrar empregos que estejam de acordo com seu capital humano e aumentar a produtividade na economia.

Isso exigirá a melhoria das disposições temporárias e dos sistemas de asilo, trazendo migrantes para os sistemas de saúde e educação e formalizando os trabalhadores migrantes ao lhes conceder autorizações de trabalho e acelerar o reconhecimento de qualificações e formação.

Para fazer face aos custos da implementação dessas políticas, os países devem buscar a ajuda de doadores e instituições internacionais. O FMI está analisando o impacto da migração e trabalhando em coordenação com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados e outras agências pertinentes para ajudar os países a acessar fontes de recursos.

Os países da região também devem chegar a uma resposta coordenada à crise migratória, na qual cada um contribua com sua parte para o apoio e integração dos migrantes.

 

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Marco Arena é Economista Sênior no Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI.
Emilio Fernandez Corugedo é Subchefe de Divisão no Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI.
Jaime Guajardo
 é Subchefe de Divisão no Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI.
Juan Francisco Yepez
 é Economista Sênior no Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI.