A elevação dos lucros das empresas é responsável por quase metade do aumento da inflação na Europa nos últimos dois anos, com as empresas elevando os preços acima da forte alta dos custos com a importação de energia. Agora que os trabalhadores estão pressionando por salários mais altos para recuperar o poder de compra perdido, as empresas talvez tenham de aceitar uma parcela menor dos lucros para que a inflação continue no rumo certo para atingir a meta de 2% em 2025 definida pelo Banco Central Europeu, conforme as projeções da edição mais recente do nosso relatório World Economic Outlook.
A inflação na área do euro atingiu um pico de 10,6% em outubro de 2022, na medida em que os custos de importação dispararam após a invasão da Ucrânia pela Rússia e os repasses das empresas para os consumidores foram além desse aumento direto dos custos. Desde então, a inflação recuou para 6,1% em maio, mas o núcleo de inflação, um indicador mais confiável das pressões subjacentes sobre os preços, tem se mostrado mais persistente. Isso está mantendo a pressão sobre o BCE para que vá além dos recentes aumentos dos juros, embora a área do euro tenha entrado em recessão no início do ano. Em junho, as autoridades elevaram os juros para 3,5%, o maior valor em 22 anos.
Como mostra o Gráfico da Semana, a alta da inflação até o momento reflete, sobretudo, o aumento dos lucros e dos preços de importação, com os lucros respondendo por 45% da elevação dos preços desde o início de 2022. Isso está de acordo com o nosso novo estudo, que desagrega a inflação, medida pelo deflator do consumo, em custos de mão de obra, custos de importação, impostos e lucros. Os custos de importação foram responsáveis por cerca de 40% da alta de preços, ao passo que os custos de mão de obra responderam por 25%. Os impostos tiveram um impacto ligeiramente deflacionário.
Em outras palavras, até agora, as empresas da Europa estiveram mais protegidas do que os trabalhadores contra o choque adverso dos custos. No primeiro trimestre deste ano, os lucros (ajustados pela inflação) ficaram cerca de 1% acima do nível anterior à pandemia. Enquanto isso, a remuneração dos funcionários (também ajustada) foi cerca de 2% inferior à tendência. Isso não é o mesmo que dizer que a lucratividade aumentou, conforme discutimos no nosso artigo.
Episódios anteriores de disparada dos preços da energia sugerem que a contribuição dos custos da mão de obra para a inflação irá crescer no futuro. De fato, já cresceu nos últimos trimestres. Ao mesmo tempo, a contribuição dos preços de importação caiu desde o seu pico em meados de 2022.
Essa defasagem nos ganhos salariais faz sentido: em comparação com os preços, os salários reagem de forma mais lenta a choques. Isso se deve, em parte, ao fato de as negociações salariais ocorrerem com pouca frequência. Mas após verem os salários caírem cerca de 5% em termos reais em 2022, os trabalhadores agora estão pressionando por aumentos. As principais questões são a rapidez com que os salários subirão e se as empresas absorverão a alta dos gastos com a folha salarial sem aumentar ainda mais os preços.
Supondo que os salários nominais subam a um ritmo de cerca de 4,5% nos próximos dois anos (ligeiramente abaixo da taxa de crescimento registrada no primeiro trimestre de 2023) e que a produtividade da mão de obra permaneça praticamente estável nos próximos dois anos, a parcela dos lucros das empresas teria de voltar aos níveis anteriores à pandemia para que a inflação atinja a meta do BCE em meados de 2025. Os nossos cálculos pressupõem que os preços das commodities continuem a cair, conforme projetado no World Economic Outlook de abril.
Se os salários crescerem de forma mais significativa, por exemplo, à taxa de 5,5% necessária para que voltem, em termos reais, ao nível anterior à pandemia até o fim de 2024, a parcela dos lucros terá de cair para o seu nível mais baixo desde meados da década de 1990 para que a inflação volte à meta (a não ser que ocorra um aumento inesperado da produtividade).
Portanto, conforme destacado na nossa recente avaliação da economia da área do euro, é preciso continuar a aplicar políticas macroeconômicas austeras para ancorar as expectativas e manter a demanda controlada. Isso levaria as empresas a aceitar uma compressão da parcela dos lucros e os salários reais poderiam se recuperar a um ritmo moderado.