Foto: IMF Photos Foto: IMF Photos

Curar as sequelas econômicas da pandemia exige ações imediatas

, , ,

As economias do G-20 continuam a recuperar-se da pandemia, mas o choque sem precedentes ainda pode deixar sequelas duradouras que reduzirão as perspectivas econômicas em comparação com as tendências anteriores à crise.

As perdas causadas pela pandemia tanto em termos de produção econômica quanto de emprego serão significativas nos próximos anos, como discutido na edição de abril do nosso relatório World Economic Outlook. É provável que as economias de mercados emergentes sofram perdas maiores porque i) tiveram relativamente menos acesso a vacinas e ii) seus pacotes de apoio em função da pandemia foram menores. Para muitas economias, a eclosão da guerra na Ucrânia está aumentando os desafios.

Em nosso novo trabalho analítico, constatamos que, entre as principais causas de sequelas da pandemia, figuram a perspectiva de fraca recuperação dos mercado de trabalho nas economias de mercados emergentes e as graves rupturas no ensino nos últimos dois anos, tanto nas economias avançadas como nas de mercados emergentes. As autoridades precisam agir sem demora para reparar os danos da crise e evitar décadas de diminuição da produção econômica em decorrência da perda de capital humano.

Retrocessos duradouros 

As recessões costumam ter impactos duradouros sobre os trabalhadores que perdem empregos nos períodos mais profundos da retração. Talvez seja difícil para eles encontrar um novo emprego durante a recuperação e é possível que percam algumas habilidades por causa do desemprego prolongado. Essas perdas não apenas prejudicam os trabalhadores, como também reduzem a produção econômica global.

Desta vez, as perspectivas dessas sequelas no mercado de trabalho parecem bem diferentes entre as economias avançadas do G-20 e as economias de mercados emergentes. De fato, os mercados de trabalho nas economias avançadas tiveram uma forte recuperação graças ao apoio robusto na forma de políticas e à ampla vacinação. Além disso, as preocupações iniciais de que a pandemia pudesse gerar um descompasso em larga escala entre a qualificação dos trabalhadores e a demanda dos empregadores por mão de obra, por exemplo, devido a mudanças persistentes da atividade nos diferentes setores, até agora não se materializaram.

No entanto, os trabalhadores em muitas economias de mercados emergentes do G-20 enfrentam uma perspectiva bem distinta, com as taxas de emprego permanecendo abaixo das projeções anteriores à pandemia porque a recuperação nessas economias recuperações foi mais fraca. Vemos também um impacto marcante na extensão do trabalho informal — generalizado em muitas dessas economias. De fato, o trabalho informal caiu drasticamente no auge da crise, quando os setores que exigiam contato direto, que tendem a ter maior participação no emprego informal, foram duramente atingidos pelos esforços de distanciamento social.

Contudo, desde então, a retomada do emprego informal foi bem maior do que a do emprego formal em várias economias de mercados emergentes do G-20, como África do Sul, Brasil, Indonésia e México, com a participação do trabalho informal em relação ao emprego total superando os níveis anteriores à pandemia em algumas economias no fim de 2021.

Como os setores que exigem contato direto continuam a se recuperar, a participação do trabalho informal pode aumentar ainda mais. Além disso, como os trabalhadores informais costumam receber salários mais baixos e ter menos acesso a redes de proteção social, esse aumento da informalidade pode pesar na renda dos trabalhadores afetados caso se torne persistente.

Mudanças no emprego 

O fechamento sem precedentes de escolas durante a pandemia prejudicou a aprendizagem dos estudantes em muitas economias do G-20, tendo afetado particularmente os de economias de mercados emergentes. Dentro dos países, esse impacto foi mais grave sobre as crianças oriundas de famílias mais pobres.

Os efeitos já estão aparecendo. Por exemplo, aumentou a proporção de estudantes nos Estados Unidos com desempenho abaixo do nível esperado para o respectivo ano em matemática, sobretudo entre os dos primeiros anos escolares e entre os de famílias de baixa renda. Se essas perdas de aprendizagem não forem sanadas, os estudantes afetados poderão ter uma vida inteira de ganhos mais baixos.

E, como indicado em nosso estudo, os estudantes de hoje serão responsáveis por cerca de 40% da população em idade produtiva combinada nas economias do G-20 durante décadas.

Perdas de aprendizagem 

Esses impactos duradouros sobre a força de trabalho afetarão consideravelmente as economias. Embora muito ainda seja desconhecido, nossas simulações mostram que, uma vez que todos esses estudantes tenham chegado ao mercado de trabalho, o produto interno bruto das economias avançadas do G-20 poderia ser até 3% inferior no longo prazo em relação ao cenário de referência. E com as famílias mais pobres sofrendo as piores perdas de aprendizagem, suas perspectivas poderiam ser particularmente menores, o que ampliaria ainda mais a desigualdade de renda.

Além dos desafios no mercado de trabalho e das rupturas no ensino, as sequelas também seguem outros canais. Por exemplo, o aumento da dívida das empresas e das vulnerabilidades nos setores mais afetados pela pandemia também poderia contribuir para essas sequelas ao pesar sobre o investimento e sobre a produtividade nos próximos anos, de acordo com um novo estudo apresentado na edição de abril do World Economic Outlook.

Políticas para curar as sequelas

Muitas economias enfrentam desafios crescentes porque a guerra na Ucrânia chegou na esteira de uma pandemia que ainda prossegue, e o espaço para medidas de política é cada vez mais limitado à medida que a dívida elevada e a inflação acelerada tornam difícil oferecer mais apoio. Ainda assim, as autoridades podem minimizar as sequelas da pandemia — desde que ajam de forma decidida.

O tempo é curto para limitar as perdas de aprendizagem porque a educação é cumulativa e vai se somando a cada ano que passa. Para minimizar danos duradouros, os países precisam avaliar rapidamente os retrocessos na aprendizagem e tomar as medidas apropriadas para ajudar os estudantes. Entre as possíveis opções, destacam‑se aulas de reforço ou um ano letivo mais longo.

Além disso, à medida que as recuperações se fortalecerem, será preciso redimensionar as medidas tomadas à época da pandemia que apoiaram empresas e trabalhadores e ajudaram a limitar as sequelas da pandemia, como as garantias de crédito e as políticas de retenção de empregos. Isso ajudará a evitar uma demora ao realocar trabalhadores e recursos para usos mais produtivos à medida que a pandemia se atenue, e contribuirá para o crescimento da produtividade.

Na verdade, se poderia alterar as políticas de modo a ajudar as pessoas a se ajustarem à evolução dos mercados de trabalho, transformando-as, por exemplo, em programas de busca de emprego bem direcionados e em apoio adicional para capacitação a fim de obter novas qualificações. Ademais, a fim de limitar que bolsões de empresas em grandes dificuldades se transformem numa quebra significativa de empresas ou em fortes quedas do investimento, também é crucial garantir o bom funcionamento dos mecanismos de insolvência empresarial e recuperação extrajudicial.

Embora os desafios sejam muitos, ao tomar as medidas apropriadas agora, as autoridades do G-20 poderão reparar os danos e preparar o terreno para recuperações fortes e inclusivas nas maiores economias do mundo.

*****

Mehdi Benatiya Andaloussi é economista no Departamento de Estudos do FMI. Anteriormente, trabalhou no Departamento do Oriente Médio e Ásia Central. Seus estudos têm como tema a econometria aplicada, com foco na economia das commodities e da energia. É doutor pela Universidade de Columbia.

Lone Christiansen é Subchefe na Divisão de Supervisão Multilateral do Departamento de Estudos do FMI. Anteriormente, foi economista no Departamento de Estratégia, Políticas e Avaliação e no Departamento da Europa do FMI. Trabalhou em uma série de questões relacionadas aos empréstimos do FMI, desigualdade, gênero e reformas estruturais, entre outros temas. É doutora em Economia pela Universidade da Califórnia, San Diego.

Ashique Habib é economista no Departamento de Estudos do FMI, onde trabalha na Divisão de Supervisão Multilateral. Anteriormente, trabalhou no Departamento da África e no Instituto para o Desenvolvimento das Capacidades do FMI, cobrindo questões monetárias, financeiras, macroestruturais e da economia real. Seus estudos têm como temas o desenvolvimento financeiro, a má alocação e a produtividade. É doutor pela Universidade de Toronto.

Davide Malacrino é economista no Departamento de Estudos do FMI. Anteriormente, esteve no Departamento da Europa, onde trabalhou com a área do euro e com a Islândia. Seus estudos em economia do trabalho e finanças das famílias se concentram na dinâmica dos ganhos, desigualdade de renda e de riqueza, e empreendedorismo. É doutor em Economia pela Universidade de Stanford.