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Por que o FMI está atualizando sua visão sobre os fluxos de capitais

Em algumas circunstâncias, os países devem ter a opção de conter preventivamente a entrada de dívida para salvaguardar a estabilidade macroeconômica e financeira.

Os fluxos de capitais podem ajudar os países a crescer e a compartilhar os riscos. Contudo, as economias com dívida externa elevada podem ser vulneráveis a crises financeiras e recessões profundas quando ocorrem saídas de capital. Os passivos externos são mais arriscados quando geram descasamento de moedas – quando a dívida externa denominada em moeda estrangeira não é compensada por ativos em moeda estrangeira ou operações de hedge.

A expressiva saída de capitais observada no início da pandemia global e a turbulência recente nos fluxos de capitais para algumas economias de mercados emergentes na sequência da guerra na Ucrânia são um lembrete flagrante de como os fluxos de capitais são voláteis e do impacto que essa volatilidade pode ter sobre as economias.

Desde o início da pandemia, muitos países fizeram gastos para sustentar a recuperação, o que levou ao aumento de seu endividamento externo. Em alguns casos, o aumento das dívidas em moeda estrangeira não foi compensado por ativos em moeda estrangeira nem por operações de hedge. Isso cria vulnerabilidades na eventualidade de uma súbita redução no apetite por dívidas de mercados emergentes, o que poderia levar a tensões financeiras graves em alguns mercados.

Em uma revisão de sua Visão Institucional sobre fluxos de capitais, divulgada hoje, o FMI afirmou que os países devem ter mais flexibilidade para introduzir medidas que se enquadrem na intersecção de duas categorias de ferramentas: medidas de gestão dos fluxos de capitais (MGF) e medidas macroprudenciais (MMP).

A revisão de hoje afirmou que essas medidas, designadas MGF/MMP, podem ajudar os países a reduzir a entrada de capitais, atenuando assim os riscos para a estabilidade financeira, não apenas quando as entradas de capitais aumentam subitamente, mas também em outras circunstâncias.

Um marco importante

O FMI adotou a Visão Institucional pela primeira vez em 2012, em um momento em que muitos mercados emergentes estavam se defrontando com fluxos de capitais grandes e voláteis.

Moldada pelas crises financeiras da década de 1990 e pela crise financeira global de 2008-2009, ela buscava uma abordagem equilibrada e uniforme às questões de liberalização da conta de capitais e de gestão dos fluxos de capitais.

Em especial, a Visão Institucional reconhecia como princípio basilar que os fluxos de capitais eram desejáveis porque podiam trazer benefícios substanciais para os países receptores, mas também podem resultar em dificuldades macroeconômicas e riscos para a estabilidade financeira.

A Visão Institucional também destacou o papel dos países de origem dos recursos na atenuação dos riscos multilaterais associados aos fluxos de capitais, e a importância da cooperação internacional em questões de políticas de fluxos de capitais.

Gestão dos fluxos de capitais

A Visão Institucional incorporou as MGF e MGF/MMP ao conjunto de ferramentas de política econômica de forma apenas limitada. Apresentou as circunstâncias em que tais medidas poderiam ser úteis, mas destacou que elas não deveriam ser um substituto para os ajustes macroeconômicos necessários.

A Visão Institucional afirmava que o uso de MGF para conter os fluxos de entrada poderia ser apropriado por algum tempo, quando o aumento na entrada de capitais restringisse o espaço da política econômica para enfrentar a valorização excessiva da moeda e o superaquecimento da economia. Também afirmava que as MGF para restringir as saídas poderiam ser úteis quando existisse o risco de que fluxos disruptivos levassem a uma crise.

Por sua vez, a aplicação de MGF/MMP às entradas de capitais era considerada útil apenas durante picos nos fluxos de entradas, presumindo que os riscos de tais fluxos para a estabilidade financeira surgiriam principalmente nesse contexto.

No momento de sua adoção o FMI reconheceu que a Visão Institucional evoluiria com base em novos estudos e na experiência.

A revisão de hoje atualiza a Visão Institucional, mas mantém os princípios fundamentais que a alicerçam. Preserva também a orientação existente sobre liberalização, uso de MGF e MGF/MMP durante picos de entrada de capitais e de MGF durante períodos de saídas de capitais disruptivas.

Medidas preventivas

A principal atualização é a inclusão na caixa de ferramentas de política econômica da utilização preventiva de MGF/MMP, mesmo quando não houver um surto de entrada de capitais.

Essa mudança amplia o Quadro Integrado de Políticas (QIP), um estudo conduzido pelo FMI para desenvolver um quadro sistemático para a análise das opções e alternativas de política econômica dadas as características específicas dos países.

O QIP e outros estudos relacionados a crises externas proporcionaram novas percepções sobre a gestão dos riscos para a estabilidade financeira em decorrência dos fluxos de capitais. Eles destacaram que os riscos para a estabilidade financeira podem surgir a partir da acumulação gradual de dívida externa denominada em moeda estrangeira, mesmo sem um aumento abrupto nas entradas de capitais. Também destacaram os riscos decorrentes da dívida externa denominada em moeda local que podem surgir em casos limitados e excepcionais.

Ademais, esses riscos podem ser de difícil solução, dada a natureza evolutiva da intermediação financeira global fora do sistema bancário. Isoladamente, nem sempre as MMP podem ser capazes de conter riscos como os decorrentes da tomada de empréstimos em moeda estrangeira por parte de empresas não financeiras e do setor bancário paralelo.

MGF/MMP preventivas para restringir os fluxos de entrada de capitais podem atenuar os riscos decorrentes da dívida externa. Mesmo assim, não devem ser usadas de uma maneira que leve a distorções excessivas. Não devem substituir as políticas macroeconômicas e estruturais necessárias nem ser utilizadas para manter moedas excessivamente desvalorizadas.

Outras atualizações na Visão Institucional

Outra atualização importante feita na Visão Institucional foi dar tratamento especial a algumas categorias de medidas de gestão de fluxos. Essas medidas não seriam guiadas pela orientação de política traçada na Visão Institucional porque são regidas por quadros internacionais distintos para a coordenação global de políticas ou são introduzidas devido a considerações não econômicas específicas.

As categorias de MGF que recebem tratamento especial incluem determinadas medidas macroprudenciais impostas em linha com o quadro de Basileia, medidas tributárias baseadas em determinadas normas de cooperação internacional para combater a evasão fiscal, medidas implementadas em linha com as normas internacionais de combate à lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo e medidas adotadas devido a razões de segurança interna ou internacional.

Além disso, a revisão explica como usar o QIP para fundamentar juízos de valor importantes exigidos no âmbito da Visão Institucional, como aqueles relacionados à natureza dos choques e a imperfeições de mercado relevantes para os ajustes macroeconômicos necessários.

Também apresenta orientações práticas para aconselhamento sobre políticas relacionadas a MGF, inclusive como identificar picos de entradas de capitais, como decidir se é prematuro liberalizar os fluxos de capitais e quais as MGF suficientemente significativas para serem destacadas na supervisão.

Um quadro vivo

O FMI se esforça para aprender e se adaptar continuamente para atender melhor seus países membros. Assim como outras políticas do FMI, a Visão Institucional continuará a ser influenciada pelos avanços nos estudos, bem como pelos acontecimentos na economia global e pelas experiências de seus países membros. A revisão da Visão Institucional ampliou o conjunto de ferramentas à disposição das autoridades econômicas, particularmente nos países emergentes e em desenvolvimento, porém mantendo os princípios basilares da versão original.

Nosso objetivo é que os países possam fazer uso deste conjunto atualizado de ferramentas para preservar a estabilidade macroeconômica e financeira e, ao mesmo tempo, colher os benefícios que os fluxos de capitais podem proporcionar.

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Tobias Adrian é o Conselheiro Financeiro e Diretor do Departamento de Mercados Monetários e de Capitais do FMI. Nessa função, dirige o trabalho do FMI relacionado com a supervisão do setor financeiro, as políticas monetária e macroprudencial, a regulação financeira, a gestão da dívida e os mercados de capitais. Antes de ingressar no FMI, foi Vice-Presidente Sênior do Federal Reserve Bank de Nova York e Diretor Adjunto do Grupo de Estudos e Estatística. Lecionou na Universidade de Princeton e na Universidade de Nova York e é autor de numerosos artigos em publicações especializadas de economia e finanças, como American Economic Review e Journal of Finance. Seus estudos concentram-se nas consequências agregadas da evolução dos mercados de capitais. Tem um doutorado do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), um mestrado da London School of Economics, um diploma da Universidade Goethe de Frankfurt e um mestrado da Universidade Dauphine de Paris.

Gita Gopinath é Primeira Subdiretora-Geral do Fundo Monetário Internacional (FMI) desde 21 de janeiro de 2022. Nessa função, supervisiona o trabalho do corpo técnico, representa o FMI em fóruns multilaterais, mantém contatos de alto nível com os governos dos países membros e integrantes da Diretoria Executiva, a imprensa e outras instituições, lidera o trabalho do FMI na área de supervisão e políticas correlatas e supervisiona o lançamento de estudos e das principais publicações.

Anteriormente, serviu como Economista-Chefe do FMI de 2019 a 2022. Nesse cargo, atuou como Conselheira Econômica do FMI e Diretora do seu Departamento de Estudos. Liderou a produção de 13 edições do World Economic Outlook, algumas das quais incluem projeções do impacto da pandemia da Covid‑19 na economia mundial. Foi coautora do Pandemic Paper, um estudo que discorre sobre como vencer a pandemia da Covid-19 e define metas mundiais de vacinação, e que levou à criação da força-tarefa multilateral composta pelas lideranças do FMI, do Banco Mundial, da OMC e da OMS para combater a pandemia, assim como à formação de um grupo de trabalho com produtores de vacinas para identificar barreiras comerciais e gargalos no abastecimento e acelerar a distribuição de vacinas nos países de renda baixa e média-baixa. Além disso, trabalhou com outros departamentos do FMI para conectar autoridades, acadêmicos e outras partes interessadas numa nova abordagem analítica destinada a auxiliar os países a responder aos fluxos internacionais de capitais por meio do Quadro Integrado de Políticas. Também contribuiu para a formação de uma equipe de mudança climática no FMI para analisar, entre outras coisas, quais seriam as políticas ótimas de mitigação climática.

Antes de ingressar no FMI, foi professora da cátedra John Zwaanstra de Estudos Internacionais e Economia no departamento de economia da Universidade de Harvard (2005-22) e, antes disso, professora assistente de economia na Booth School of Business da Universidade de Chicago (2001 05). Seus estudos, que se concentram nas áreas de finanças internacionais e macroeconomia, são amplamente citados e figuram em várias das mais prestigiadas revistas de economia. É autora de inúmeros artigos de pesquisa sobre taxas de câmbio, comércio e investimento, crises financeiras internacionais, política monetária, dívida e crises em mercados emergentes.

Gopinath é membro eleita da Academia Americana de Artes e Ciências e da Sociedade Econométrica, e membro do Grupo dos Trinta. Foi também codiretora do programa de Finanças Internacionais e Macroeconomia do National Bureau of Economic Research (NBER), membro do painel de assessores econômicos do Federal Reserve Bank de Nova Iorque e pesquisadora visitante do Federal Reserve Bank de Boston. É coorganizadora do atual Handbook of International Economics e foi coorganizadora do American Economic Review e editora-chefe do Review of Economic Studies.

Gopinath nasceu na Índia e é cidadã dos EUA e cidadã ultramarina da Índia. Já recebeu vários prêmios e reconhecimentos. Em 2021, o Financial Times incluiu-a entre as “25 mulheres mais influentes do ano”, a International Economic Association designou-a como Schumpeter-Haberler Distinguished Fellow, a Agricultural & Applied Economics Association concedeu-lhe o prêmio John Kenneth Galbraith e a Carnegie Corporation incluiu-a entre os “grandes imigrantes (dos Estados Unidos)”. Foi apontada pela Bloomberg como uma das “50 pessoas que definiram 2019”, pela revista Foreign Policy como “grande pensadora global” e, pela revista Time como uma das “mulheres que romperam grandes barreiras para serem pioneiras”.

Gopinath foi agraciada com o Pravasi Bharatiya Samman, a mais alta honraria concedida pelo governo da Índia a cidadãos ultramarinos, e o “Distinguished Alumnus Award” da Universidade de Washington. O FMI incluiu-a na lista de “25 economistas mais importantes com menos de 45 anos” em 2014, o Financial Times apontou-a como uma entre os “25 indianos mais promissores” em 2012 e o Fórum Econômico Mundial selecionou-a como Jovem Líder Mundial em 20112011.

Gita Gopinath doutorou-se em Economia pela Universidade Princeton em 2001, após obter o bacharelado pela Lady Shri Ram College e mestrados pela Faculdade de Economia de Délhi e pela Universidade de Washington..

Pierre-Olivier Gourinchas é Conselheiro Econômico e Diretor do Departamento de Estudos do FMI. Está licenciado da Universidade da Califórnia em Berkeley, onde ocupa a cátedra S.K. e Angela Chan de Gestão Global no Departamento de Economia e na Haas School of Business. Professor Gourinchas foi redator-chefe do IMF Economic Review desde sua criação em 2009 até 2016, editor-chefe do Journal of International Economics entre 2017 e 2019 e coeditor do American Economic Review entre 2019 e 2022. Está licenciado do National Bureau of Economic Research onde era diretor do programa de Finanças Internacionais e Macroeconomia. É pesquisador associado do Center for Economic Policy Research, CEPR (Londres) e Fellow da Sociedade Econométrica.

Suas principais áreas de pesquisa são macroeconomia e finanças internacionais. Seus estudos mais recentes tratam de uma variedade de temas, como escassez de ativos seguros globais, desequilíbrios mundiais e guerras cambiais; o sistema monetário internacional e o papel do dólar; o paradigma da moeda dominante; os determinantes dos fluxos de capital de e para os países em desenvolvimento; carteiras internacionais; a crise financeira global e o impacto da crise da Covid-19 nas quebras de empresas. Professor Gourinchas recebeu o Prêmio Bernàcer de 2007 como o melhor economista europeu com menos de 40 anos na área de macroeconomia e finanças e o Prêmio de Melhor Economista Jovem em 2008, concedido ao melhor economista francês com menos de 40 anos. Em 2012-2013, integrou o Conselho de Assessores Econômicos do Primeiro Ministro da França..

Pierre-Olivier Gourinchas formou-se pela École Polytechnique e doutorou-se em Economia pelo MIT em 1996. Lecionou na Stanford Graduate School of Business e Universidade de Princeton antes de ingressar no Departamento de Economia da UC Berkeley em 2003. Cresceu em Montpellier, França.

Ceyla Pazarbasioglu é Diretora do Departamento de Estratégia, Políticas e Avaliação do FMI. Nessa função, lidera o trabalho de direcionamento estratégico do FMI e de formulação, implementação e avaliação das políticas da instituição. Também supervisiona as interações do FMI com outros organismos internacionais, como o G-20 e as Nações Unidas.

Rhoda Weeks-Brown é Conselheira Jurídica e Diretora do Departamento Jurídico do FMI. Assessora a Diretoria Executiva, a Direção-Geral, o corpo técnico e os países membros em todos os aspectos jurídicos das operações do FMI, tratando, inclusive, das suas funções creditícias, reguladoras e consultivas. Ao longo de sua carreira no FMI, liderou o trabalho do Departamento Jurídico numa ampla gama de assuntos importantes relacionados a políticas e países. Já deu palestras escreveu artigos e muitos documentos da Diretoria Executiva sobre todos os aspectos do Direito do FMI e coministrou um seminário na Universidade de Tulane sobre esse tema.

Foi também Subdiretora do Departamento de Comunicação do FMI, onde liderou as iniciativas de comunicação e sensibilização do FMI na África, Ásia e Europa; cumpriu um papel fundamental na transformação da estratégia de comunicação do FMI e comandou a comunicação estratégica do FMI sobre importantes temas jurídicos e de política.

Rhoda Weeks-Brown recebeu o diploma Juris Doctor da Faculdade de Direito de Harvard e é bacharel em Economia (summa cum laude) pela Howard University. Antes de ingressar no FMI, trabalhou no escritório de advocacia Skadden em Washington DC. É membro da Ordem dos Advogados de Nova Iorque, Massachusetts e Distrito de Colúmbia e membro da Ordem dos Advogados da Suprema Corte. Faz parte do Conselho da TalentNomics, Inc., uma organização sem fins lucrativos voltada para o desenvolvimento de mulheres líderes em nível mundial.