(Foto: zhongguo by Getty Images) (Foto: zhongguo by Getty Images)

Uma proposta para a elevação do preço mundial do carbono

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Por Vítor Gaspar e Ian Parry

Entre 25 a 50%. É quanto o dióxido de carbono (CO2) e outros gases de efeito estufa têm de diminuir na próxima década para assegurar que o aquecimento global fique abaixo de 2ºC. A maneira mais rápida e prática de conseguir isso é criar um acordo internacional estipulando um preço mínimo para o carbono.

A questão é importante para o FMI porque as alterações climáticas comportam riscos imensos para o funcionamento das economias mundiais. As políticas climáticas certas podem abordar esses riscos e também criar enormes oportunidades de investimentos transformadores, crescimento económico e empregos verdes – tanto que a nossa Diretoria Executiva aprovou recentemente propostas para incluir a mudança climática na supervisão económica dos países conduzida periodicamente e no programa de avaliação da estabilidade financeira.

O preço do carbono está no centro das nossas discussões de políticas com os países membros – amplamente aceite como a ferramenta de política mais importante para alcançar os cortes drásticos nas emissões de que precisamos. Ao tornar as fontes de energia poluentes mais caras do que as fontes limpas, o preço do carbono oferece incentivos para melhorar a eficiência energética e redirecionar os esforços de inovação para tecnologias verdes. A precificação do carbono precisa de ser apoiada por um pacote mais amplo de medidas para aumentar a sua eficácia e aceitação, o que inclui o investimento público em redes de tecnologia limpa (como atualizações da matriz para incorporar as fontes renováveis) e medidas para auxiliar as famílias, os trabalhadores e as regiões vulneráveis. Contudo, no plano internacional, são necessárias medidas adicionais para alcançar um preço de carbono igual ou superior a US$ 75 por tonelada até 2030.

Em antecipação à 26ª conferência anual da ONU sobre mudança climática (COP26) em novembro – a conferência climática mais importante desde Paris 2015 – vemos sinais promissores de ambição climática crescente. Muitos países declararam novos objetivos climáticos – 60 países já se comprometeram a ser neutros em termos de emissões até meados do século e alguns, incluindo a União Europeia e os Estados Unidos, assumiram compromissos de curto prazo mais ambiciosos. De salientar que há cada vez mais regimes de precificação de carbono – já foram implementados mais de 60 globalmente, inclusive iniciativas-chave este ano na China e Alemanha.

No entanto, é fundamental que haja uma ação mais robusta e mais coordenada na próxima década.

Alguns países estão avançando de forma mais arrojada, mas a ambição varia de país para país; por isso, quatro quintos das emissões globais permanecem sem preço e o preço médio global das emissões é de apenas US$ 3 por tonelada. Como consequência, alguns países e regiões com preços de carbono elevados ou crescentes estão a considerar tarifar o conteúdo de carbono das importações provenientes de locais sem regimes similares. Entretanto, numa perspectiva climática global, tais ajustes de carbono na fronteira são instrumentos insuficientes, já que o carbono incorporado nos fluxos comerciais normalmente é inferior a 10% do total de emissões dos países.

Em parte, o progresso mais lento reflete a dificuldade que os países têm na intensificação unilateral das políticas de mitigação para cumprir os seus compromissos no Acordo de Paris – sobretudo devido à preocupação de como isso pode afetar sua competitividade e de que outros não adotem políticas similares. A adesão quase universal ao Acordo de Paris, crucial para a sua legitimidade, não assegura negociações fáceis.

Então, como atingir o preço do carbono necessário no prazo de dez anos? Um novo estudo do corpo técnico do FMI, ainda em discussão na Diretoria Executiva e com os países membros, propõe a criação de um acordo internacional de preços mínimos de carbono que complemente o Acordo de Paris e seja:

  1. Lançado pelos principais emissoresO gráfico mostra que China, Índia, Estados Unidos e União Europeia serão responsáveis por quase dois terços das emissões globais projetadas de CO2 em 2030 (se não forem tomadas novas medidas de mitigação). Se forem incluídos todos os países do G-20, o valor sobe para 85%. Uma vez lançado, o plano poderá ser expandido gradualmente para abranger outros países.
  2. Os principais emissores

  3. Ancorado em um preço mínimo de carbono. É um instrumento de política eficiente, concreto e de fácil compreensão. Uma ação concertada dos grandes emissores para aumentar o preço do carbono geraria uma ação coletiva contra a mudança climática e, em simultâneo, daria resposta às preocupações com a competitividade. O foco em um preço mínimo de carbono acompanha a discussão atual sobre a alíquota mínima na tributação internacional de empresas. Em termos mais gerais, a harmonização internacional através de alíquotas mínimas tem uma longa tradição na Europa.

  4. Desenhado de forma pragmática. O acordo tem de ser equitativo, flexível e levar em conta as responsabilidades diferenciadas dos países, considerando, entre outros fatores, as emissões históricas e os níveis de desenvolvimento. Uma opção é estabelecer, digamos, dois ou três níveis de preços, variando com base em medidas aceites de desenvolvimento de um país. O acordo também poderia abrir espaço para países onde atualmente os preços de carbono não são viáveis por razões de políticas internas, desde que alcancem reduções de emissões equivalentes através de outros instrumentos de políticas.

Um exemplo ilustrativo mostra que o reforço dos compromissos assumidos no Acordo de Paris com um preço mínimo de três níveis entre apenas seis participantes (Canadá, China, Estados Unidos, Índia, Reino Unido e União Europeia) com preços de US$ 75, US$ 50 e US$ 25 para mercados emergentes avançados, de alta e baixa renda, respectivamente, e em complemento às políticas atuais, poderia ajudar a alcançar uma redução de 23% nas emissões globais abaixo da linha de base até 2030. Isso é suficiente para alinhar as emissões com a manutenção do aquecimento global abaixo de 2°C.

A aplicação de preços de carbono nas províncias canadianas é um bom protótipo de como um preço mínimo poderia ser aplicado no plano internacional. O governo federal exige que províncias e territórios implementem um preço mínimo de carbono que aumenta progressivamente de CAN$ 10 por tonelada em 2018 para CAN$ 50 em 2022 e CAN$ 170 em 2030. As jurisdições são livres para cumprir esta exigência através de impostos de carbono ou sistemas de comércio de emissões.

Na esfera internacional, um acordo de preço mínimo de carbono bem projetado produziria benefícios tanto para os países tomados individualmente quanto no seu conjunto. Todos os participantes estariam melhor se estabilizassem o sistema climático global e os países desfrutariam de benefícios ambientais internos de contenção da combustão de combustíveis fósseis – e, mais importante, menos mortes devido à poluição atmosférica local.

Não há tempo a perder na implementação de tal acordo. Imaginem que estamos em 2030. Temos que assegurar que não olharemos para 2021 apenas para lamentar a oportunidade perdida de uma ação efetiva, mas que possamos olhar para trás e admirar com orgulho o progresso coletivo no sentido de manter o aquecimento global abaixo do limiar de 2ºC. Precisamos de uma ação coordenada agora – que deve ser centrada em um patamar internacional de preços de carbono.

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Vítor Gaspar, cidadão português, é Diretor do Departamento de Finanças Públicas do FMI. Antes de ingressar no FMI, ocupou vários cargos superiores na área de políticas do Banco de Portugal, inclusive, mais recentemente, o de Conselheiro Especial. Foi Ministro de Estado e das Finanças de Portugal de 2011 a 2013. Chefiou o Gabinete de Conselheiros de Política Económica da Comissão Europeia de 2007 a 2010 e atuou como Diretor-Geral de Estudos Económicos no Banco Central Europeu de 1998 a 2004. Doutorou-se e agregou-se em Economia pela Universidade Nova de Lisboa, tendo também estudado na Universidade Católica Portuguesa.

Ian Parry é o Perito Principal em Política Fiscal Ambiental do Departamento de Finanças Públicas do FMI. Suas especialidades são a análise fiscal das mudanças climáticas, o meio ambiente e as questões energéticas.  Antes de ingressar no FMI em 2010, ocupou a cátedra Allen V. Kneese de Economia Ambiental, criada pela Resources for the Future.