Uma lição indelével da pandemia de COVID-19 é que qualquer recuperação econômica duradoura dependerá da resolução da crise sanitária.
Nosso estudo na mais recente edição do World Economic Outlook mostra que o confinamento imposto pelos governos, embora tenha conseguido cumprir a meta de reduzir o contágio, contribuiu consideravelmente para a recessão, com efeitos desproporcionais em grupos vulneráveis, como as mulheres e os jovens. Contudo, grande parte da recessão se deve também às pessoas que se abstiveram voluntariamente das interações sociais por temerem contrair o vírus. É improvável, portanto, que o fim do confinamento resulte em um impulso econômico decisivo e sustentado se o contágio se mantiver elevado, pois é provável que o distanciamento social voluntário perdure.
A análise conclui, porém, que é possível encontrar um equilíbrio entre proteger a saúde pública e evitar um declínio econômico prolongado. O confinamento impõe custos de curto prazo, mas pode levar a uma recuperação econômica mais rápida, já que reduz o contágio e, portanto, a extensão do distanciamento social voluntário. À medida que a pandemia evolui e mais dados se tornam disponíveis, é importante que estudos futuros examinem os efeitos de médio prazo do confinamento, bem como a solidez de nossos resultados.
A crise econômica e sanitária sob o prisma dos dados em tempo real
Analisamos os efeitos econômicos do confinamento e do distanciamento social voluntário com base em dois dados de alta frequência representativos da atividade econômica: os relatórios de mobilidade do Google e vagas de emprego publicadas no website Indeed. Conforme ilustrado no painel superior do gráfico a seguir, em toda a amostra de 128 países utilizados na análise, o confinamento e o distanciamento social voluntário contribuíram em igual medida para a queda da mobilidade nos três primeiros meses da pandemia em um país. A contribuição do distanciamento social voluntário foi maior nas economias avançadas, onde as pessoas podem mais facilmente trabalhar em casa ou simplesmente parar de trabalhar graças às economias pessoais e aos benefícios sociais. Por outro lado, em países de baixa renda, as pessoas muitas vezes não podem aderir ao distanciamento social voluntário, pois não dispõem dos meios financeiros para lidar com uma perda de renda temporária. A análise dos dados das vagas de emprego oferece constatações semelhantes, mostrando que tanto o confinamento quanto o distanciamento social voluntário contribuíram substancialmente para a queda na demanda por trabalho.
A grande influência do distanciamento social voluntário na redução da mobilidade e das vagas de emprego serve de alerta às autoridades para que não suspendam o confinamento — na esperança de dar impulso à atividade econômica — enquanto o número de infecções continuar elevado. O tratamento dos riscos à saúde pública parece ser uma pré-condição para possibilitar uma recuperação econômica forte e sustentada.
A propósito, a análise revela que o confinamento pode reduzir consideravelmente o contágio. Os efeitos são particularmente fortes se ele for aplicado pelos países no início da pandemia. O painel inferior do gráfico a seguir mostra que os países que adotaram medidas de confinamento quando o número de casos de COVID-19 ainda era baixo tiveram resultados epidemiológicos muito melhores do que os países que intervieram quando o número de casos já era elevado. O capítulo também documenta que o confinamento deve ser suficientemente rigoroso para limitar o contágio, sugerindo portanto que o confinamento rígido e de curta duração é preferível a medidas brandas e prolongadas.
A eficácia do confinamento em diminuir o ritmo de contágio, juntamente com a constatação do forte impacto das infecções na atividade econômica por causa do distanciamento social voluntário, exige uma reconsideração da narrativa predominante que pressupõe um dilema entre salvar vidas e apoiar a economia. Essa caracterização, que opõe vidas e meios de subsistência, ignora que as medidas de confinamento eficazes impostas no início de uma pandemia podem conduzir a uma recuperação econômica mais rápida, ao conter a propagação do vírus e reduzir o distanciamento social voluntário. Esses ganhos de médio prazo podem compensar os custos de curto prazo do confinamento, e podem até gerar efeitos globais positivos na economia. Com a evolução da crise e a maior disponibilidade de dados, justificam-se mais estudos sobre esse aspecto importante.
O impacto do confinamento em grupos vulneráveis
O capítulo também contribui para o volume crescente de evidências sobre os efeitos desproporcionais da crise em grupos mais vulneráveis. Os dados de mobilidade fornecidos pela empresa de telecomunicações Vodafone relativos a Espanha, Itália e Portugal mostram que a ordem para ficar em casa e o fechamento das escolas produziram uma maior queda na mobilidade das mulheres do que dos homens. Esse efeito deve-se, em grande medida, ao ônus desproporcional do cuidado infantil que recai sobre as mulheres, o que pode impedi-las de sair para trabalhar, prejudicando assim suas oportunidades de emprego.
Os dados da Vodafone também revelam que o confinamento tende a gerar um impacto mais significativo na mobilidade dos mais jovens. O painel inferior do gráfico a seguir mostra que a ordem para ficar em casa levou a um declínio mais acentuado na mobilidade de pessoas de 18–24 anos e 25–44 anos, que tendem a assumir o cuidado de crianças pequenas quando as escolas estão fechadas e muitas vezes têm contratos de trabalho temporários, com maior probabilidade de serem rescindidos durante uma crise. O maior impacto sobre essas faixas da população ameaça aumentar a desigualdade intergeracional.
Uma intervenção na forma de políticas bem direcionadas, como o reforço do seguro‑desemprego e o direito à licença parental remunerada, é, portanto, necessária para proteger as pessoas mais vulneráveis e garantir que a crise não provoque uma ampliação duradoura da desigualdade.
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Francesco Grigoli é Economista da Divisão de Estudos Econômicos Internacionais do Departamento de Estudos do FMI. Anteriormente, trabalhou nos Departamentos de Finanças Públicas e do Hemisfério Ocidental do FMI, e foi também pesquisador visitante na Universidade de Columbia. Seus estudos se concentram em temas como política macroeconômica em tempo real e sua eficácia, dinâmica do consumo e da poupança, expectativas, incerteza, desigualdade de renda e eficiência dos gastos.
Damiano Sandri é Subchefe da Divisão de Estudos Econômicos Internacionais do Departamento de Estudos do FMI. Anteriormente, foi economista sênior da equipe responsável pelo Brasil e participou de diversas missões do FMI a países europeus. Seus artigos figuram nos principais periódicos acadêmicos e em diversas publicações do FMI. É pesquisador associado do CEPR e editor associado do IMF Economic Review. Doutorou-se em Economia pela Universidade Johns Hopkins.