O recomeço na Ásia e na Europa após o Grande Lockdown

Vários países na Ásia e na Europa, onde o surto de COVID-19 parece ter atingido o pico, estão começando a reabrir gradualmente suas economias. Sem contar com uma vacina ou um tratamento efetivo, as autoridades terão que equilibrar os benefícios da retomada da atividade econômica e o custo potencial de um novo aumento do número de infecções. Suas escolhas são difíceis porque, em parte, em ambos os casos o custo de errar é muito elevado.

Por isso, as autoridades estão adotando uma abordagem gradual e sequenciada à reabertura da economia, juntamente com novas medidas de prevenção e contenção. Embora alguns países asiáticos já tenham avançado nesse processo com algum sucesso, ainda há riscos – e, para a Europa, eles poderiam ser ainda maiores. Como se comparam as estratégias de abertura na Ásia e na Europa?

A Ásia foi a primeira região atingida pela pandemia de COVID-19, que se alastrou rapidamente da China para outros países e ainda não foi erradicada. Até hoje, mais de 250 mil pessoas foram infectadas no Sul e Leste da Ásia, com 9.700 mortes. China, Coréia do Sul, Índia, Indonésia, Japão e Singapura respondem por mais de 85% de todos os casos na região.

Após o lockdown decretado na China no fim de janeiro, e as medidas proativas de testagem, rastreamento e isolamento adotadas na Coreia, o número de novas infecções nesses dois países atingiu o pico em fevereiro, quando a pandemia chegava com força à Europa. Existem hoje 1,8 milhão de casos confirmados de COVID-19 na Europa, o que representa quase a metade da contagem mundial. São quase 160 mil mortes, de um total de mais de 280 mil no mundo todo.

Impacto econômico das medidas de isolamento

Para conter o alastramento do vírus, a maioria dos países europeus e asiáticos adotou medidas estritas de isolamento, cujo impacto econômico já é evidente. O PIB da China recuou 36,6% no primeiro trimestre de 2020, e a produção da Coreia diminuiu 5,5% (em taxas anualizadas e dessazonalizadas). A diferença na magnitude do impacto reflete o fato de que a China foi o primeiro país a enfrentar o surto, e impôs um rigoroso protocolo de bloqueio total, o chamado lockdown, enquanto a Coreia manteve a economia aberta e seguiu uma estratégia de contenção mais direcionada (ver a seguir).

 

Na Europa, o recuo do PIB no primeiro trimestre de 2020 atingiu máximas históricas: 21,3% na França, 19,2% na Espanha e 17,5% na Itália (também em termos anualizados e dessazonalizados). O desempenho no segundo trimestre deve ser ainda pior.

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Como a Ásia está retomando a atividade econômica

 

As medidas de contenção conseguiram interromper o avanço da pandemia; assim, alguns países asiáticos já deram grandes passos no processo de reabertura.

 

Na China, o número de novas infecções reportadas estabilizou-se em níveis bastante baixos. Desde meados de fevereiro, o governo começou a reabrir a economia de forma gradual e sequenciada. Deu-se prioridade a setores essenciais e a determinadas indústrias, regiões e segmentos da população, com base em avaliações contínuas. Em paralelo, os recursos da digitalização, big data e tecnologia estão sendo utilizados ao máximo para apoiar o rastreamento de contatos.

 

Um complemento crucial desses esforços é a testagem em massa, com a introdução de testes de rastreio aleatório em certas províncias, e o rastreamento sistemático por aplicativos de telefonia móvel para localizar rapidamente os contatos dos novos casos positivos. Esses procedimentos são também acompanhados por restrições ao movimento e outras medidas de controle que se aplicam às pessoas infectadas e seus contatos. Até agora, a reabertura da China não provocou uma segunda onda debilitante de infecções, mas isso ainda pode mudar conforme avance o processo de normalização das atividades.

 

A Coreia também enfrentou o vírus no início da sua propagação pelo mundo e pôs em prática iniciativas rápidas e bem organizadas de contenção, com a testagem em massa, o isolamento obrigatório das pessoas infectadas e de casos de risco e o uso generalizado da digitalização e da tecnologia para o rastreamento de contatos. Esses esforços foram complementados pelo fechamento de escolas e edifícios públicos, orientações pormenorizadas sobre o distanciamento social e medidas de quarentena para os viajantes.

 

Em nenhum momento, porém, foram impostas restrições generalizadas à mobilidade interna ou à atividade empresarial na Coreia. Assim, a retomada da atividade econômica está prosseguindo gradualmente, e mais ou menos de forma automática, à medida que o distanciamento social diminui. As autoridades passaram a adotar diretrizes menos rígidas de “distanciamento social diário”, que recomenda aos cidadãos ficar em casa se estiverem doentes, respeitar a distância pessoal, lavar as mãos com frequência, utilizar máscaras e manter os ambientes internos bem ventilados.

 

Numa fase inicial, Singapura também conseguiu conter o contágio seguindo uma estratégia semelhante à da Coreia, mas no início de abril passou a aplicar medidas de contenção mais rígidas por causa de um novo surto.

 

A reabertura gradual da Europa

 

Vários países europeus anunciaram planos de reabrir gradualmente suas economias, e alguns deles já iniciaram esse processo. O momento, a sequência e o ritmo de reabertura variam de país para país, e refletem não só as diferenças na progressão da pandemia como também as preferências nacionais (ver a seguir).

 

A Dinamarca e a Noruega, por exemplo, autorizaram primeiro a reabertura das escolas primárias e dos serviços; a Espanha suspendeu as restrições às atividades da indústria e da construção civil, bem como de pequenos negócios, como o comércio, mas com medidas de segurança. A Alemanha suspendeu as restrições às lojas e está reabrindo as escolas de forma gradual; o relaxamento das medidas está condicionado a um mecanismo de emergência que permite a volta das restrições, se necessário. A Itália autorizou a retomada das atividades da indústria e da construção civil e a reabertura de pequenas lojas. A França autorizou apenas a reabertura das escolas primárias, lojas e fábricas a partir de 11 de maio, com regras diferenciadas por região.

 

A Suécia é um caso à parte: adotou uma abordagem distinta e decidiu não impor medidas de bloqueio total de atividades. Ainda é cedo para dizer se essa estratégia irá produzir melhores resultados.

 

Todos os países pretendem adotar medidas sanitárias e de distanciamento social para mitigar o risco de uma nova onda de contágio, mas o tipo e a intensidade das medidas variam.

 

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O fim do lockdown na Ásia e na Europa: um olhar para o futuro

Embora as estratégias de reabertura sejam diferentes, a Europa parece estar reabrindo sua economia em um ponto anterior do ciclo da pandemia em comparação com a China. Além disso, nos países europeus, a capacidade de testagem em massa, rastreamento de contatos e isolamento de casos estaria aquém do que se vê entre os melhores exemplos asiáticos – em parte por causa das rigorosas regras de privacidade. Por exemplo, a Comissão Europeia recomendou o uso de aplicativos de localização, mas apenas em caráter voluntário. Por conseguinte, a Europa poderia estar mais exposta a riscos do que alguns países asiáticos, como a China, embora nenhum país possa declarar com convicção que derrotou o vírus.

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Na Europa e na Ásia, o lockdown e outras restrições impuseram custos econômicos e psicológicos consideráveis aos cidadãos, o que torna bastante compreensível seu desejo de suspender essas medidas e reabrir as economias. Contudo, a flexibilização prematura, antes que sejam implantadas medidas amplas para identificar e conter rapidamente novas infecções, colocaria em risco os ganhos na luta contra a propagação da COVID‑19 e geraria novos custos humanos e econômicos. Ao traçar o caminho para sair deste confinamento sem precedentes, as economias da Ásia e da Europa devem avançar com cautela e resistir ao impulso de suspender todas as restrições cedo demais e arriscar-se a sofrer uma recaída.

 

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Changyong Rhee é Diretor do Departamento da Ásia e do Pacífico do FMI. Antes de ingressar no FMI, foi economista-chefe do Banco Asiático de Desenvolvimento (BAsD), onde foi o principal porta-voz do BAsD sobre tendências econômicas e de desenvolvimento e supervisionou o Departamento de Economia e Estudos. Foi o secretário-geral da Comissão Presidencial da reunião de cúpula do G20 na República da Coreia. Antes de sua nomeação para a Comissão de Serviços Financeiros, foi professor titular de Economia na Universidade Nacional de Seul e professor assistente na Universidade de Rochester. Além disso, foi colaborador assíduo do governo da Coreia, tendo atuado como assessor do Gabinete do Presidente, Ministério das Finanças e Economia, Banco da Coreia, Depositário de Valores da Coreia e Instituto Coreano para o Desenvolvimento. Seus estudos concentram-se em temas de macroeconomia, economia financeira e a economia coreana, e já publicou muitos artigos nessas áreas. Doutorou-se em economia pela Universidade de Harvard e graduou-se em Economia pela Universidade Nacional de Seul.

 

Poul M. Thomsen, cidadão dinamarquês, é o Diretor do Departamento da Europa do FMI desde novembro de 2014 e lidera o trabalho de supervisão bilateral do Fundo com 44 países, o diálogo sobre políticas com as instituições da UE, como o BCE, e as discussões sobre os programas apoiados pelo Fundo. Além disso, responde pelas atividades de divulgação do FMI na Europa e pelas interações da instituição com altos funcionários europeus. Antes de assumir seu cargo atual, foi o principal responsável pelos programas do FMI com países europeus afetados pela crise financeira mundial e pela subsequente crise na área do euro. Ao longo de sua carreira, adquiriu vasto conhecimento sobre os países da Europa Central e Oriental, tendo trabalhado continuamente na região de 1987 a 2008 como chefe de missão para muitos países, chefe da Divisão da Rússia do FMI durante a crise financeira do país em 1998 e Diretor do Escritório do FMI em Moscou de 2001 a 2004.