A economia mundial enfrenta uma série de desafios complexos decorrentes do progresso tecnológica e da globalização, além dos efeitos persistentes da crise financeira de 2008–09. Ao mesmo tempo, estamos testemunhando um declínio da confiança nas instituições centrais que ajudaram a produzir níveis extraordinários de crescimento e prosperidade nos últimos 40 anos. Esses desdobramentos ameaçam fragmentar a ordem internacional que tem regido a economia mundial.
Entre os sintomas dessa fragmentação destacam-se o aumento das tensões comerciais, desacordos entre e dentro de algumas instituições multilaterais e a diluição dos esforços superar os profundos desafios internacionais do século XXI, como as mudanças climáticas, os crimes cibernéticos e os fluxos de refugiados. Surge assim uma pergunta inevitável: se isso tudo está ocorrendo em um momento de crescimento mundial sólido e relativa estabilidade financeira, o que nos reserva a próxima desaceleração da economia?
A julgar pela história, cedo ou tarde veremos essa desaceleração, e os sinais recentes de abrandamento do crescimento mundial mostram que é imperioso preparar-se para acontecimentos imprevistos.
A desconfiança nas instituições não se limita à esfera multilateral. Em muitos aspectos, a governança nacional também caiu em descrédito, como ilustra a turbulência resultante das eleições recentes em muitos países. Para nos anteciparmos à próxima recessão econômica — e atenuar seu impacto quando ela ocorrer — os países precisam reforçar suas defesas já.
Essas defesas abrangem o poder de fogo financeiro, as políticas para combater crises e os regimes regulatórios, muitos deles adotados após a crise financeira mundial. No entanto, na atual conjuntura, não há garantia de que essas defesas serão suficientes para impedir que uma recessão “trivial” se transforme em outra crise sistêmica de grandes proporções.
Em relação à política monetária, tem se discutido bastante como os bancos centrais podem responder a uma desaceleração profunda ou prolongada. Por exemplo, em resposta a recessões anteriores nos EUA, os juros foram reduzidos em 500 pontos-base ou mais pelo Federal Reserve; na crise financeira mundial, os bancos centrais fizeram amplo uso de seus balanços. No entanto, com taxas de juros de referência ainda muito baixas em tantos países, e com a normalização dos balanços ainda em andamento, talvez não seja possível recorrer às mesmas políticas.
Alguns sugerem que o uso de medidas monetárias não convencionais pode proporcionar a margem para responder a uma crise por meio de taxas negativas, orientações prospectivas de política monetária no sentido de manter os juros em níveis mais baixos por mais tempo do que o justificado pelas metas de inflação ou pelas regras de política, ou mesmo outras inovações. Mas como a eficácia dessas ideias é, na melhor das hipóteses, incerta, há motivos para preocupação com a potência da política monetária.
A próxima linha de defesa é a política fiscal, cuja margem de manobra está diminuindo nas economias avançadas, como insistem muitos observadores. A dívida pública aumentou, sobretudo nos EUA, na esteira dos cortes de impostos e aumentos de gastos. De fato, em muitos países, os déficits permanecem excessivamente altos para estabilizar ou reduzir a dívida. Ao mesmo tempo, se a próxima desaceleração gerar desemprego e capacidade econômica ociosa, devemos esperar um crescimento dos multiplicadores, o que restabeleceria parte da potência da política fiscal, mesmo com níveis elevados de endividamento. No entanto, não se deve esperar que os governos disponham de espaço em seus orçamentos para reagir como há dez anos. Com níveis elevados de dívida soberana, talvez seja difícil obter apoio político a um estímulo fiscal.
Anos após a crise financeira mundial, a percepção de que os banqueiros foram salvos à custa dos trabalhadores ainda gera ressentimento. Assim, uma futura recessão que ponha em risco as finanças das pequenas empresas ou dos mutuários da casa própria provavelmente levaria a pedidos de ajuda para aliviar o peso da dívida. Apoiar uma parcela maior da economia poderia pressionar ainda mais as finanças públicas já sobrecarregadas, mas deixar de fazê-lo poderia aprofundar as divisões políticas.
Se a recessão ameaçar mais uma vez a estabilidade dos bancos, o uso de recursos públicos em operações de resgate agora é limitado por lei, após as reformas regulatórias do setor financeiro que exigem a participação de proprietários e credores nos resgates. Contudo, esses novos sistemas ainda estão subfinanciados e não foram postos à prova.
Não devemos perder de vista o fato de que o enfraquecimento dos principais mercados de capitais americanos durante a crise financeira mundial, que poderia ter produzido repercussões devastadoras mundo afora, foi contido com firmeza por ações pouco ortodoxas das autoridades monetárias, respaldadas por recursos dos tesouros nacionais. É pouco provável que a capacidade para tornar a fazê-lo esteja prontamente disponível.
A questão é que as opções nacionais de política econômica e os recursos financeiros públicos podem ser muito mais restritos do que antes. A lição certa a ser extraída dessa possibilidade é que cada país deve agir com muito mais cuidado para sustentar o crescimento, limitar as vulnerabilidades e se preparar para o futuro.
Outro ponto a ser lembrado é a importância da preparação e ação na esfera multilateral. Instituições como o FMI têm desempenhado um papel crucial para responder a crises e manter a economia mundial nos trilhos. A capacidade para responder de maneira eficaz a esses desafios tem exigido um processo constante de reforma que precisa continuar.
Diante do descontentamento com o multilateralismo em algumas economias avançadas, é essencial que o processo de evolução do FMI prossiga — abrangendo toda a gama de atividades de análise, estudos e concessão de crédito — para continuarmos a cumprir nossa missão central de apoiar o crescimento mundial e a estabilidade financeira. Isso se tornará ainda mais importante se os instrumentos de política nacional se mostrarem insuficientes para fazer face a uma crise.
A capacidade de financiamento do FMI foi ampliada durante a crise financeira mundial, para cerca de um trilhão de dólares – uma resposta vigorosa de nossos países membros em um momento de necessidade extrema. Visto por esse prisma, é encorajador que o G-20, em sua reunião de novembro em Buenos Aires, tenha reafirmado o compromisso de apoiar a rede de proteção financeira mundial, centrada num FMI forte e dotado de recursos suficientes.
A Diretora-Geral do FMI, Christine Lagarde, instou por um “novo multilateralismo”, destinado a melhorar a vida de todos os cidadãos do mundo e a zelar para que os benefícios econômicos da globalização e da tecnologia sejam compartilhados de forma muito mais ampla. Esse é um objetivo fundamental, e um de seus elementos é assegurar que possamos evitar crises futuras — e responder com eficácia à próxima recessão. Essa é uma maneira prática e pragmática de superar a desconfiança nas instituições e construir um futuro próspero e compartilhado.
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David Lipton é Primeiro Subdiretor-Geral do FMI desde 2011. Antes de ingressar no FMI, foi Assistente Especial do Presidente Clinton e atuou como Diretor Sênior de Assuntos Econômicos Internacionais no Conselho Econômico Nacional dos Estados Unidos e no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca. Também durante o governo Clinton, foi Secretário Adjunto e Subsecretário do Tesouro para Assuntos Internacionais. Previamente, foi diretor gerente do Citi e ocupou cargos de chefia na corretora de fundos de hedge Moore Capital Management e na Fundação Carnegie para a Paz Internacional. Foi também pesquisador no Centro Woodrow Wilson.
De 1989 a 1992, em parceria com o Professor Jeffrey Sachs, então na Universidade de Harvard, serviu como assessor econômico dos governos da Rússia, Polônia e Eslovênia durante as transições desses países para regimes capitalistas.
Formado pela Universidade Wesleyan, Lipton possui doutorado e mestrado pela Universidade de Harvard.