A ação climática está ganhando impulso. Desde o Acordo de Paris em 2015, os países intensificaram as medidas climáticas e muitos se comprometeram a zerar as emissões líquidas até 2050, o que significa que qualquer emissão adicional de carbono será integralmente compensada pelas emissões retiradas da atmosfera.
Contudo, o orçamento de carbono – o volume máximo de emissões permissível – para limitar o aquecimento global bem abaixo de 2°C está se esgotando rapidamente. Desastres mais frequentes e intensos, declínio na produtividade agrícola e elevação do nível do mar se tornarão cada vez mais comuns se esta meta crucial não for alcançada.
Em nossa recente nota informativa para o G-20 sobre política climática, detalhamos as políticas e, mais importante, os investimentos necessários nos próximos 5 a 10 anos para alcançar a meta de emissão líquida zero até 2050 de forma compatível com o crescimento. A estratégia tem três componentes básicos: precificação do carbono, um plano de investimento verde e medidas para uma transição justa.
Precificação do carbono: A precificação do carbono, que pode assumir a forma de um imposto sobre o carbono ou de esquemas de comércio de emissões (ou medidas equivalentes, como regulamentações setoriais) são elementos críticos da estratégia de descarbonização. É improvável que o investimento verde e o apoio a atividades de pesquisa e desenvolvimento sejam suficientes para alcançar a meta de emissão líquida zero até meados do século. Ao elevar o custo da energia com alto teor de carbono, a precificação do carbono estimula a transição para combustíveis mais limpos e a eficiência energética. Em contrapartida, o simples aumento da oferta de fontes de energia limpa tende a reduzir o custo da energia e não estimula tanto a eficiência energética, dificultando o cumprimento das metas de emissão líquida zero.
Nossa análise mostra que se as medidas de precificação do carbono forem postergadas por 10 anos a meta de emissão líquida zero em meados do século provavelmente não seria atingida, por uma ampla margem, porque os preços necessários para atingir tais metas seriam, naquela altura, inviáveis. O efeito dessa postergação, comparado com a introdução rápida dos preços do carbono, seria uma elevação das temperaturas, com danos potencialmente irreversíveis para o clima e para a economia. Como proposto recentemente pelo corpo técnico do FMI, um acordo entre os principais emissores em relação aos preços mínimos do carbono, diferenciados segundo o nível de desenvolvimento, poderia facilitar os progressos na precificação do carbono, atenuando as preocupações com a possibilidade de que medidas unilaterais levem à perda de competitividade das empresas em setores intensivos em energia e expostos ao comércio internacional, bem como à transferência da produção para países com preços mais baixos.
Investimento verde: Os investimentos verdes são essenciais para facilitar a transição para uma economia de baixo carbono e apoiar a resposta à precificação do carbono. A transformação radical de nossa matriz energética exigirá a ampliação dos investimentos para financiar a transição de combustíveis fósseis para fontes de energia renováveis, bem como para redes elétricas inteligentes, medidas de eficiência energética e eletrificação em setores como transportes, construção civil e indústria. Serão necessários grandes investimentos. Por exemplo, uma pessoa em busca de um carro novo pode estar disposta a comprar um veículo elétrico em vez de um movido a gasolina se houver um maior número de estações de recarga. O investimento em P&D também é fundamental, pois a transição para a emissão líquida zero só será factível com novos avanços nas tecnologias de baixo carbono.
Em muitos setores, a redução das emissões talvez exija um investimento inicial maior associado à construção de nova infraestrutura, mas ela reduz os custos recorrentes devido à diminuição do consumo de combustíveis. Por exemplo, a instalação de painéis solares para acionar uma bomba d’água em um vilarejo exige um custo novo inicial, mas a energia solar é gratuita. Investimentos para melhorar a eficiência energética seguem um padrão semelhante. Como resultado, a curva de investimentos tem a forma de um U invertido, com um aumento nos próximos 20 anos e uma diminuição para os níveis históricos recentes daí em diante.
Estima-se que para mitigar a mudança climática serão necessários investimentos mundiais adicionais, tanto públicos como privados, da ordem de 6 a 10 trilhões de dólares ao longo da próxima década. Isto equivale, cumulativamente, a 6% a 10% do PIB mundial anual.
Segundo dados da Agência Internacional de Energia, espera-se que, em média, cerca de 30% do investimento adicional em escala mundial venha de fontes públicas – o que corresponde a um total acumulado de 2% a 3% do PIB anual da década de 2021 a 2030. Os restantes 70% viriam do setor privado.
No setor público, os pacotes fiscais destinados a apoiar a recuperação da pandemia da Covid-19 são uma oportunidade única para investir na transição para uma economia de baixo carbono. Após a fase de recuperação, os governos deveriam procurar adotar um sistema mais abrangente de orçamentos verdes, examinando os incentivos “marrons” e “verdes” oferecidos pelo orçamento e ajudando a alinhar os orçamentos com as contribuições determinadas nacionalmente (NDC, na sigla em inglês) e as metas do Acordo de Paris.
Os governos também podem ajudar a mobilizar capital do setor privado, melhorando os quadros de investimento, ajudando a criar um fluxo de projetos financiáveis e utilizando o financiamento público internacional de forma eficaz para reduzir os riscos percebidos e baixar o elevado custo de capital (este último sobretudo nas economias de mercados emergentes e em desenvolvimento). As políticas do setor financeiro, como exigir a divulgação de riscos relacionados ao clima e estabelecer uma taxonomia comum do que constitui ativos verdes e marrons, também seriam fundamentais para canalizar os fluxos financeiros para investimentos sustentáveis.
Transição justa: Uma transição justa engloba uma dimensão interna e outra externa. No plano interno, os governos precisam de medidas para ajudar as famílias que já têm dificuldades para suprir suas necessidades básicas a pagar pelo aumento dos custos da energia. Essas medidas devem se estender aos trabalhadores das minas de carvão e outros trabalhadores e comunidades que dependem de setores de alto teor de carbono para sua subsistência. No plano externo, será necessário o apoio financeiro às economias em desenvolvimento, que deverão incorrer em custos mais elevados na transição mas dispõem de poucos recursos para pagar por eles.
Os grandes emissores de carbono, como China, Coreia, Estados Unidos, Japão e União Europeia, comprometeram-se a atingir a meta de emissão líquida zero até meados do século. Isto reduzirá uma grande parcela das emissões globais e também fornecerá soluções tecnológicas e políticas para facilitar e baratear a transição de outros países. Mas sem uma política climática mundial, os pequenos emissores de hoje se transformarão em grandes emissores conforme suas populações e sua renda aumentem. E, muitas vezes, são esses os países mais afetados pelas mudanças climáticas e para os quais os custos de transição são mais difíceis de suportar, devido ao rápido crescimento das necessidades energéticas e ao menor espaço no orçamento para financiar investimentos verdes.
O financiamento climático – o financiamento de investimentos para reduzir as emissões nas economias em desenvolvimento – facilitaria uma partilha mais equitativa do ônus e ajudaria a economia global a alcançar a meta de emissão líquida zero. Muitas economias em desenvolvimento estão preparadas para aumentar sua NDC se tiverem acesso ao financiamento climático e, dado que é nas economias emergentes e em desenvolvimento que se encontram muitas oportunidades de mitigação de baixo custo, garantir que tais oportunidades sejam aproveitadas atende aos interesses de todo o planeta.
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Florence Jaumotte é Subchefe de Divisão no Departamento de Estudos do FMI. Trabalhou na Divisão de Supervisão Multilateral e na Divisão de Estudos Econômicos Internacionais do Departamento de Estudos, bem como em várias equipes responsáveis por países. Suas análises se concentram em instituições e políticas do mercado de trabalho, desigualdade de renda e macroeconomia em economias abertas. Anteriormente, trabalhou no Departamento de Economia da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em Paris. Doutorou-se em Economia pela Universidade de Harvard.
Gregor Schwerhoff é economista na Divisão de Supervisão Multilateral do Departamento de Estudos do FMI. Suas análises abordam vários aspectos da política climática, com especial ênfase nas implicações da precificação do carbono para o bem‑estar. Ingressou no FMI em 2020 após ter trabalhado no Banco Mundial, e obteve seu doutorado na Universidade de Bonn, Alemanha.