A destruição de empregos causada pela pandemia de Covid-19 foi rápida e inexorável. Os efeitos duradouros da crise sobre os trabalhadores podem vir a ser igualmente dolorosos e desiguais.
Os jovens e os trabalhadores menos qualificados estiveram, em média, entre os mais atingidos. As mulheres, sobretudo nas economias de mercados emergentes e em desenvolvimento, também sofreram. Muitos desses trabalhadores enfrentam perdas de renda e dificuldades na busca de oportunidades de trabalho. Mesmo após a pandemia arrefecer, mudanças estruturais na economia na esteira do choque podem significar que as opções de trabalho em alguns setores e ocupações diminuirão permanentemente, enquanto outras crescerão.
Na edição mais recente do nosso relatório World Economic Outlook, examinamos como as políticas podem atenuar os efeitos adversos e desiguais da pandemia. Constatamos que um pacote de medidas para ajudar os trabalhadores a manter o emprego enquanto durar o choque da pandemia, combinado com medidas para estimular a geração de empregos e facilitar o ajuste a novos empregos e ocupações à medida que a pandemia recua, pode amortecer sensivelmente o impacto negativo e melhorar a recuperação do mercado de trabalho.
A automatização ganha força
Os empregos que exigem menos qualificação e são mais vulneráveis à automatização tenderam a ser mais prejudicados durante a recessão provocada pela pandemia. Embora os impactos sobre setores específicos sejam diferentes dos observados em recessões passadas, a pandemia acelerou tendências de emprego preexistentes, reforçando a substituição do emprego em setores e ocupações mais vulneráveis à automatização.
Entre os setores que mais encolheram em decorrência da crise estão os hotéis e restaurantes (hospedagem e alimentação) e as lojas de atacado e varejo (comércio). O distanciamento social e as mudanças de comportamento induzidas pela pandemia intensificaram a queda do emprego nesses setores, que já havia sido comumente observada em retrações passadas. Em contrapartida, os setores de tecnologia da informação e comunicação e de finanças e seguros efetivamente registraram um crescimento do emprego no ano passado. Muitos dos setores mais impactados – em geral aqueles com menos empregos que permitem o trabalho remoto – tendem a empregar uma proporção maior de jovens, mulheres e trabalhadores menos qualificados, contribuindo para os efeitos desiguais entre os diferentes grupos.
Uma retomada difícil
Evidências de recessões passadas sugerem que a pandemia deve impor custos consideráveis aos desempregados, sobretudo aos trabalhadores menos qualificados. Após períodos de desemprego, os trabalhadores costumam se ver obrigados a mudar de ocupação para encontrar um novo posto, o que tende a implicar um corte no salário. Em média, os trabalhadores desempregados que conseguem se recolocar em uma nova ocupação sofrem uma grande perda de renda, da ordem de 15%, em média, em comparação com o que ganhavam antes.
Os trabalhadores menos qualificados enfrentam um golpe triplo: têm maior probabilidade de atuarem nos setores mais prejudicados pela pandemia; estão mais propensos a ficarem desempregados em períodos de retração e, para aqueles que conseguem se recolocar, é mais provável que precisem mudar de ocupação e sofram uma queda na renda.
Para encontrar o equilíbrio certo
Nossa análise mostra como as políticas apropriadas podem ser extremamente eficazes para reduzir as sequelas e os impactos desiguais entre os trabalhadores. Na ausência de medidas para reforçar o mercado de trabalho (um cenário sem políticas), um choque econômico provocado por uma pandemia que atinge as ocupações de forma assimétrica leva a uma forte e rápida elevação do desemprego e a um ajuste vagaroso à medida que as condições econômicas melhoram gradativamente.
Se a retenção de empregos e o apoio à realocação de trabalhadores forem utilizados como parte de um pacote, o impacto sobre o emprego não é tão grave e os trabalhadores e as empresas conseguem se ajustar mais rapidamente. Essa combinação de apoio na forma de políticas também beneficia desproporcionalmente os trabalhadores menos qualificados, que tendem a sofrer mais com o impacto mais profundo da pandemia sobre atividades que exige contato intensivo mas são menos produtivas. Medidas destinadas à retenção de empregos – como programas de trabalho de curto prazo (por exemplo, o Kurzarbeit na Alemanha) e subsídios salariais (por exemplo, o novo programa de proteção do salário nos EUA) – ajudam a preservar empregos contra o choque inicial da pandemia, quando o distanciamento social é elevado, e reduzem o desemprego em cerca de 4,5 pontos percentuais abaixo do que ele poderia ser sem esse apoio. À medida que a pandemia seja superada, políticas para a realocação de trabalhadores – como incentivos à abertura de novas empresas e à contratação de trabalhadores, assistência para ajudar trabalhadores a encontrar novos empregos e programas de (re)qualificação – podem facilitar o ajuste aos efeitos mais permanentes desta crise sobre a estrutura do emprego. Direcionar algumas medidas de política para os segmentos mais afetados (como os jovens) também poderia acelerar a recuperação.
As autoridades precisarão considerar cuidadosamente a trajetória da pandemia (incluídos os casos e as mortes, a extensão das medidas de distanciamento e a distribuição das vacinas) ao decidir se a economia pode suportar uma substituição de medidas que apoiam, sobretudo, os empregos existentes por políticas que visem agilizar a transição dos trabalhadores para setores e ocupações em expansão. O equilíbrio correto das políticas pode reduzir os impactos desiguais da pandemia sobre os trabalhadores e estimular uma recuperação mais rápida do mercado de trabalho.
Baseado no capítulo 3 do World Economic Outlook , “Recessões e recuperações nos mercados de trabalho: Padrões, políticas e respostas ao choque da Covid-19”, por John Bluedorn (líder), Francesca Caselli, Wenjie Chen, Niels-Jakob Hansen, Jorge Mondragon, Ippei Shibata e Marina M. Tavares, com o apoio de Youyou Huang, Christopher Johns e Cynthia Nyakeri.
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John Bluedorn é Subchefe da Divisão encarregada do relatório World Economic Outlook do Departamento de Estudos do FMI. Anteriormente, foi economista sênior na Unidade de Reformas Estruturais do Departamento de Estudos, membro da equipe do FMI para a área do euro no Departamento da Europa e, como economista, contribuiu para diversos capítulos do World Economic Outlook. Antes de ingressar no FMI, lecionou na Universidade de Southampton, no Reino Unido, após receber uma bolsa de pós‑doutorado na Universidade de Oxford. Já publicou sobre uma série de temas em finanças internacionais, macroeconomia e desenvolvimento. Doutorou-se pela Universidade da Califórnia, Berkeley.