Uma recuperação robusta pós-Covid-19 dependerá de os bancos terem capital suficiente para fornecer crédito. Embora a maioria dos bancos europeus tenha entrado na pandemia com fortes níveis de capital, eles estão altamente expostos a setores econômicos duramente atingidos pela pandemia.
Um novo estudo do FMI avalia o impacto da pandemia no capital dos bancos europeus por meio de seu impacto na rentabilidade, qualidade dos ativos e exposição ao risco. A abordagem difere de outros estudos recentes (Banco Central Europeu e Autoridade Bancária Europeia) porque incorpora o suporte dado a bancos e credores na forma de políticas. Também incorpora estimativas granulares das dificuldades do setor empresarial e examina um número maior de países e bancos europeus.
A análise conclui que, embora a pandemia provoque um esgotamento significativo do capital dos bancos, as reservas bancárias são grandes o bastante para suportar o provável impacto da crise. E, com as políticas corretas, os bancos poderão apoiar a recuperação com a concessão de novos empréstimos.
Tendo como cenário de referência as projeções do FMI de janeiro de 2021 , os bancos da área do euro manterão, no geral, sua resiliência à grave recessão de 2020, seguida de uma recuperação parcial em 2021. O índice de capital agregado deverá cair de 14,7% para 13,1% até o final de 2021 se for mantido o apoio das políticas. Com efeito, nenhum banco violará o requisito mínimo de capital prudencial de 4,5%, mesmo sem o apoio de políticas públicas.
Mas existem pelos menos três ressalvas importantes dignas de nota.
Em primeiro lugar, políticas eficazes importam. <0}
Políticas de apoio são extremamente importantes para reduzir a extensão e a variabilidade da erosão de capital dos bancos, pois enfraquecem substancialmente o vínculo entre o choque macroeconômico e o capital das instituições e diminuem as chances de os bancos reduzirem a oferta de crédito para conservar capital. Além da flexibilização dos requisitos de capital regulamentar, essas políticas incluem uma ampla gama de medidas de apoio a credores, tais como moratórias, garantias de crédito e suspensão de processos de insolvência. Também incluem subvenções, benefícios fiscais e subsídios salariais a empresas.
Olhando além da área do euro, os bancos nas economias emergentes da Europa provavelmente sentirão uma maior erosão de capital, de 2,4 pontos percentuais. Em muitos desses países, orçamentos públicos mais apertados significaram um nível de apoio menor.<0}
Em segundo lugar, os limiares de capital baseados no mercado são as medidas de referência mais relevantes.
Para muitos bancos grandes, o capital híbrido – que contém elementos tanto de dívida quanto de capital – será provavelmente uma importante fonte de recursos num momento em que o custo do capital permanece elevado. Mas os investidores em capital híbrido normalmente dependem do pagamento de juros.
Se as políticas não forem eficazes, vários bancos poderão ter dificuldades para cumprir o chamado “montante máximo distribuível” (MMD) de capital, que é mais elevado do que suas atuais exigências mínimas regulamentares. Isto levaria a restrições na distribuição de dividendos e pagamentos de juros sobre o capital híbrido, possivelmente assustando os investidores. Os grandes bancos, que detêm cerca de 25% do capital em tais instrumentos, poderiam sofrer pressões de financiamento.
Em terceiro lugar, a velocidade da recuperação é fundamental.
Uma recuperação prolongada poderá resultar em perdas de crédito muito maiores e provisões mais elevadas para créditos duvidosos. Se o crescimento do PIB em 2020–21 for 1,2 pontos percentuais inferior à previsão do cenário de referência, a erosão do capital dos bancos poderá se tornar mais pronunciada. Mais de 5% de todos os bancos correriam o risco de ultrapassar seus limites de MMD, mesmo com políticas públicas de apoio. E esta proporção dobraria se as políticas não surtissem o efeito previsto (ver gráfico acima).
Políticas para manter os bancos saudáveis
Estes resultados sugerem uma estratégia focada nas seguintes áreas:
Manter as políticas de apoio em resposta à pandemia até que a recuperação se consolide. Uma retirada prematura do apoio aos credores poderia criar “efeitos de beira de precipício” e ameaçaria asfixiar a oferta de crédito justamente quando ele é mais necessário. À medida que a recuperação ganhar força, os critérios de elegibilidade devem ser mais rigorosos e bem direcionados. Também poderá ser considerado algum apoio de capital direto para empresas viáveis.
Esclarecer as orientações de supervisão sobre a disponibilidade e a duração da flexibilização dos requisitos de capital. Os supervisores devem especificar o cronograma para as reservas de capital dos bancos. Estes devem ser autorizados a criar gradualmente tais reservas para preservar sua capacidade de empréstimo. Restrições ao pagamento de dividendos e recompra de ações devem ser mantidas até que a recuperação esteja bem encaminhada.
Apoiar a recomposição do balanço, fortalecendo a gestão de créditos de cobrança duvidosa e a estrutura de resolução bancária. À medida que as políticas deixam de ser aplicadas, o reconhecimento tardio de perdas provavelmente desencadeará uma onda de inadimplência. As autoridades da União Europeia devem usar o atual teste de estresse sistêmico , previsto para julho de 2021, para avaliar a necessidade de recapitalizações preventivas. Os regimes de insolvência devem ser reforçados, equacionando limitações administrativas e estabelecendo procedimentos acelerados para reestruturar a dívida.
Tratar da rentabilidade estruturalmente baixa dos bancos. Os bancos levarão vários anos para recompor o capital de forma orgânica, através de lucros acumulados, a menos que sua rentabilidade melhore. Por conseguinte, devem aumentar as receitas não financeiras e racionalizar suas operações para melhorar as estruturas de custos, inclusive pelo uso mais intensivo de tecnologias digitais. E a consolidação poderá melhorar a eficiência dos bancos, enquanto facilita uma melhor alocação de capital e liquidez dentro de grupos bancários.
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Mai Chi Dao é Economista Sênior do Departamento da Europa do FMI, atuando na equipe responsável pela Alemanha. Anteriormente, trabalhou na Divisão de Economias Abertas do Departamento de Estudos do FMI, cobrindo a avaliação de saldos externos do FMI e conduzindo pesquisas sobre taxas de câmbio e dinâmica das contas correntes. Seus interesses de pesquisa abrangem questões mais amplas de macroeconomia internacional, finanças corporativas e economia do trabalho, sobre as quais tem publicado artigos em várias revistas acadêmicas. Doutorou-se em Economia pela Universidade de Columbia e graduou-se pela Universidade Livre de Berlim.
Srobona Mitra é Economista Sênior do Departamento da Europa do FMI, responsável pela equipe do Artigo IV da área do euro, e é Chefe de Missão para Andorra. Seu trabalho envolve questões relacionadas à estabilidade financeira, e já conduziu pesquisas sobre risco sistêmico, interconexão financeira, fluxos de capital e políticas macroprudenciais. Em cargos anteriores no Departamento de Mercados Monetários e de Capitais, liderou e participou de Programas de Avaliação do Setor Financeiro e missões de assistência técnica em vários países, além de liderar a redação de capítulos do Relatório sobre a Estabilidade Financeira Mundial. Também trabalhou como economista da equipe responsável pela Hungria e realizou estudos analíticos multinacionais sobre países europeus emergentes, inclusive para a publicação Perspectivas Econômicas Regionais: Europa. Doutorou-se em Economia pela Universidade de Washington em Seattle.
Andreas (Andy) Jobst é Economista Sênior do Departamento da Europa do FMI, onde cobre o setor financeiro, política monetária, política climática e supervisão macroprudencial para a área do euro. Anteriormente, participou das equipes responsáveis por Índia, Irlanda, Itália, Letônia, República Eslovaca e Suíça. Também atuou como um dos principais autores do Relatório sobre a Estabilidade Financeira Mundial e liderou, entre outros, os exercícios de teste de estresse (solvência/liquidez) como parte do Programa de Avaliação do Setor Financeiro (2005–2013) para a Alemanha, Bélgica, Espanha, Estados Unidos, RAE de Hong Kong e Reino Unido.
Ocupou altos cargos fora do FMI – como Assessor do Diretor Geral e CFO do Grupo Banco Mundial (2016–19), onde foi responsável pelo financiamento do desenvolvimento (com foco em infraestrutura), gestão de risco e a concepção e implementação de políticas financeiras e regulamentares (incluindo representações no G-20 e no Conselho de Estabilidade Financeira) e Economista Chefe e Subdiretor (Supervisão) da Autoridade Monetária das Bermudas (2011–14), onde implantou a estrutura de supervisão macroprudencial e assessorou o Ministério das Finanças sobre políticas fiscais. Durante este período, também foi copresidente de um grupo de trabalho da Associação Internacional de Supervisores de Seguros.
Andy Jobst também trabalhou na Federal Deposit Insurance Corporation, no Deutsche Bundesbank, no Banco Central Europeu, no Banco da Inglaterra e no Deutsche Bank (Londres) e foi assessor externo do Banco Europeu de Investimentos. Doutorou-se pela London School of Economics.
Aiko Mineshima é Economista Sênior do Departamento da Europa do FMI, onde é parte da equipe responsável pela Alemanha. Anteriormente, atuou no Departamento de Finanças Públicas do FMI, onde integrou a equipe de autores do Monitor Fiscal, bem como nos departamentos da Ásia e do Pacífico e do Oriente Médio e Ásia Central. Antes de ingressar no FMI, foi economista do Banco do Japão, com passagens prolongadas pelos Departamentos de Estudos Econômicos e Mercados Financeiros. Graduou-se pela Universidade de Columbia.