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Traçar um caminho para uma recuperação resiliente na África Subsaariana

Talvez a primeira entre as muitas lições de 2020 seja que os chamados “cisnes negros” não são uma preocupação remota. Esses eventos supostamente raros estão ocorrendo com uma frequência cada vez maior.

Tomemos os choques relacionados ao clima, sobretudo na África Subsaariana. Mais do que qualquer outra região, ela é vulnerável a esses eventos em virtude da forte dependência da agricultura pluvial e da limitada capacidade para se adaptar a choques. A cada ano, a subsistência de milhões de pessoas é ameaçada por desastres provocados pelo clima.

A crise causada pela Covid-19 ainda exige a atenção de todos nós, mas é necessário que as autoridades também mirem o futuro. Os países precisam assegurar que o amplo apoio às finanças públicas em todo o mundo para combater a pandemia também ajude a construir um futuro mais inteligente, mais verde e mais equitativo.

Em nenhum outro lugar isso é mais importante do que na África Subsaariana. Suas necessidades são maiores e a região abriga a população mais jovem do mundo, o que torna ainda mais urgente uma ação imediata para construir um futuro melhor. Juntos, precisamos traçar um caminho para uma recuperação mais resiliente.

Por que a resiliência é importante

Em nosso relatório sobre as Perspectivas Econômicas Regionais para a África Subsaariana , publicado no início deste ano, destacamos os danos duradouros que os eventos climáticos causam na região. No médio prazo, o crescimento econômico anual per capita pode cair 1 ponto percentual a mais a cada seca. Esse impacto é oito vezes pior do que em um mercado emergente ou uma economia em desenvolvimento de outras partes do mundo.

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Nelson Mandela uma vez disse: “ não me julgue pelo meu sucesso, julgue-me por quantas vezes eu caí e me levantei de novo ”.

Dado o aumento da frequência dos choques, a construção da capacidade para resistir a eles se torna essencial para proteger os ganhos do desenvolvimento.

Tomemos como exemplo o investimento em uma economia mais inteligente e digital. Em outro capítulo do relatório sobre as Perspectivas Econômicas Regionais  , constatamos que ampliar em 10% o acesso da população à Internet na África Subsaariana poderia aumentar o crescimento real do PIB per capita em até 4 pontos percentuais.

Em outras palavras, uma recuperação que aumente a resiliência não apenas salvará vidas, mas também se traduzirá em padrões de vida mais elevados, empregos de melhor qualidade e mais oportunidades para todos.

Para isso, as políticas fiscais e financeiras precisam priorizar o investimento nas pessoas, na infraestrutura e nos mecanismos de adaptação.

 

Empoderar as pessoas

Investir em saúde e educação pode render grandes dividendos em termos de crescimento, produtividade, igualdade de gênero e padrões de vida. Mas investir nas pessoas também é fundamental para aumentar a resiliência.

As pessoas fisicamente resistentes gastam menos em cuidados médicos extras e, quando adoecem, voltam mais rápido ao trabalho ou à escola.

Naturalmente, uma boa saúde depende de uma boa nutrição. Quando ocorre um choque climático, ter acesso a alimentos seguros e nutritivos em quantidade suficiente é essencial para a sobrevivência. E é aqui que adquirir mais conhecimentos sobre o impacto das alterações climáticas pode ajudar os países a salvaguardar a produção agrícola. No Chade, por exemplo, os agricultores estão melhorando a retenção de água por meio de novas técnicas de coleta de água da chuva.

O acesso a novas tecnologias pode ajudar os agricultores e os médicos. Serra Leoa lançou um novo corredor de drones em novembro passado, o primeiro na África Ocidental, para monitorar as condições agrícolas e permitir a entrega rápida de medicamentos. A melhoria das redes de telefonia móvel significa melhor acesso a sistemas de alerta e informações meteorológicas — mesmo na forma de simples mensagens de voz — o que possibilita uma agricultura mais produtiva e inteligente do ponto de vista climático.

Mas investir nas pessoas é mais do que apenas encontrar novas formas de realizar as mesmas tarefas. É também gerar novos empregos. Melhores empregos. Assim, é vital investir no desenvolvimento de competências digitais.

Nossa análise mostra que, em média, as empresas da região conectadas ao mundo digital empregam oito vezes mais trabalhadores e criam empregos em tempo integral que exigem mais qualificação. Além disso, o aumento da penetração da Internet está associado a uma maior proporção de mulheres trabalhando no setor de serviços — a transição para empregos nesse setor é duas vezes e meia maior no caso das mulheres do que dos homens.

Reforçar a infraestrutura

Uma boa infraestrutura é a espinha dorsal de qualquer economia saudável e resiliente. Entretanto, numa região tão carente de investimentos em infraestrutura de grande escala, investir em infraestrutura inteligentes, verdes e inclusivas agregaria mais valor.

Embora tudo leve a crer que a pandemia irá acelerar a transformação digital na África Subsaariana, isso não ocorrerá por si só. São necessários investimentos substanciais em infraestrutura — tanto em infraestrutura tradicional que apoie a evolução digital (como eletricidade mais confiável) quanto em infraestrutura informática pronta para a era digital.

Com raras exceções, quase todos os países da região estão conectados por meio de cabos submarinos ou ligações terrestres transfronteiriças. Contudo, é preciso fazer mais para melhorar o acesso digital dentro dos países e reduzir o crescente fosso entre os gêneros.

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Ao mesmo tempo, os países que enfrentam a devastação causada pelos eventos climáticos necessitam de mais investimentos em infraestrutura resistente ao clima. Por exemplo, o porto da Beira, em Moçambique — um importante centro regional de comércio e transporte — voltou a operar poucos dias após ser atingido por dois ciclones consecutivos, graças a amplos sistemas de drenagem e prédios e estradas bem construídos.

A infraestrutura digital e resistente ao clima pode avançar em paralelo. Como um quinto da eletricidade na África Subsaariana é gerado por usinas hidrelétricas, suscetíveis a secas, precisamos redobrar os esforços para diversificar as fontes de eletricidade no longo prazo.

Isso significa migrar para outras fontes de energia renováveis, como a energia solar e a eólica. Essa transição ajudará a reduzir as emissões de carbono, disseminar a eletrificação e gerar empregos. No Quênia, o governo ampliou o acesso a eletricidade de 40% para 70% da população, em grande parte mediante o uso de pequenas usinas de energia solar, fora da rede elétrica. A vantagem adicional foi que o modelo pré-pago com dinheiro móvel torna essa iniciativa acessível e de fácil ampliação, além de haver gerado 10 vezes mais empregos do que as concessionárias de energia tradicionais.

 

Reforçar os mecanismos de adaptação

Após um choque, a assistência social e o acesso a financiamento, entre outros fatores, atuam como amortecedores que ajudam as pessoas e as empresas a enfrentar a situação. Esses mecanismos compensam a perda de renda, o que permite às famílias suavizar o consumo e comprar bens de primeira necessidade, como alimentos, e às empresas continuar em funcionamento.

Um bom exemplo é o Programa Rede de Proteção Social Produtiva da Etiópia, que oferece transferências de renda emergenciais para famílias em situação de insegurança alimentar. Exigir que os beneficiários usem contas bancárias agilizou o recebimento das transferências e aumentou a inclusão financeira.

Ampliar o acesso ao financiamento ajuda as famílias de baixa renda e pequenas empresas a lidar melhor com os choques. Além disso, facilita a autonomia das famílias para que invistam em saúde, educação, etc., e possibilita o investimento das empresas em projetos produtivos.

Quando a digitalização contribui para a formulação de políticas melhores e a geração de resultados econômicos melhores, todos têm a ganhar.

Os governos também estão tirando proveito da liderança da região no uso do dinheiro móvel para prestar apoio imediato às famílias e empresas e, ao mesmo tempo, promover o distanciamento social. Por exemplo, o programa de proteção social “NOVISSI”, no Togo, utiliza dinheiro móvel e transferências eletrônicas de renda para apoiar os trabalhadores do setor informal impactados pela Covid-19.

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Uma coisa é certa: alcançar uma recuperação resiliente na África Subsaariana, assim como em qualquer outra região, não será fácil.

Primeiro, será caro. Estimar os custos com precisão é uma tarefa complexa, dadas as complementaridades entre os investimentos em pessoas, infraestrutura e políticas. Mas certamente estamos falando de centenas de bilhões de dólares nos próximos anos.

Enquanto isso, naturalmente, a crise causada pela Covid-19 está afetando o espaço fiscal já limitado da região. Mesmo antes da crise, a dívida pública da maioria dos países estava crescendo rapidamente.

Segundo, serão necessárias reformas transformadoras. Por mais importante que seja o apoio externo, ele não será eficaz nem suficiente a menos que as distorções induzidas por políticas que entravam o investimento privado sejam eliminadas ou os sistemas de gestão das finanças públicas melhorem. Mobilizar mais receitas internas também é um imperativo, e a digitalização pode ser útil nesse sentido, ao melhorar a eficiência da arrecadação.

Terceiro, o apoio da comunidade internacional será vital. Será preciso reforçar o alívio da dívida, o financiamento e o desenvolvimento das capacidades. O FMI está apoiando a recuperação na África Subsaariana por meio desses três canais , e certamente faremos mais nos próximos anos.

Como observamos no início, ao invocar Nelson Mandela, o mais importante é se levantar após sofrer uma queda.

O fato é que investir em um futuro mais resiliente terá uma relação custo-benefício melhor do que a reconstrução sucessiva após crises ou desastres.

Essa deveria ser a medida do sucesso de hoje — incentivar um ciclo mais virtuoso e uma trajetória de desenvolvimento mais resiliente para a região.

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Kristalina Georgieva 

Abebe Aemro Selassie é Diretor do Departamento da África do FMI, do qual também foi Subdiretor. No FMI, liderou as equipes de trabalho de Portugal e África do Sul, bem como a elaboração do relatório Perspectivas Econômicas Regionais para a África Subsaariana. Além disso, trabalhou com as equipes responsáveis pela Tailândia, Turquia e Polônia, assim como numa série de questões de políticas públicas. Entre 2006 e 2009, foi o representante residente do FMI em Uganda. Antes de ingressar no FMI, trabalhou para o Governo da Etiópia.