(foto: Tomwang112/iStock by Getty Images) (foto: Tomwang112/iStock by Getty Images)

Políticas fiscais para a retomada após a COVID-19

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As políticas fiscais têm proporcionado uma importante ajuda de emergência a pessoas e empresas durante a pandemia da COVID-19. São também essenciais para aumentar a capacidade de reação dos países a uma crise e auxiliar na retomada e mais além.

Quando o Grande Confinamento finalmente terminar, uma recuperação econômica vigorosa que beneficie a todos dependerá da melhoria das redes de proteção social e de um amplo apoio fiscal, com investimentos públicos em saúde, infraestrutura e medidas de combate às mudanças climáticas. Países com níveis elevados de endividamento precisarão encontrar o ponto de equilíbrio entre o apoio fiscal de curto prazo para a fase de recuperação e a sustentabilidade da dívida a longo prazo.

A nova edição do relatório Fiscal Monitor pode ajudar as autoridades a decidir como investir para o futuro de uma forma prudente para as finanças públicas, adotar políticas discricionárias bem planejadas para estimular a demanda e reforçar as redes de proteção social e o auxílio aos desempregados.

Reforçar as redes de proteção social para as pessoas

A pandemia mostrou como as pessoas são vulneráveis e serviu como um alerta de que é preciso agir.

Em resposta, os países concederam auxílio temporário aos desempregados e ampliaram as redes de proteção social em graus variados. Por exemplo, os Estados Unidos aprovaram leis para oferecer um socorro temporário maior para enfrentar a pandemia de COVID-19 em comparação com a Europa, em parte porque sua rede de proteção social é tradicionalmente menor.

Embora parte desse socorro temporário tenha um prazo de duração, transformar parte dessas disposições em medidas permanentes e atualizar os sistemas de benefícios fiscais também poderia estabilizar automaticamente a renda das pessoas em episódios de epidemia e crise no futuro.

Mas quais são os atributos de uma boa rede de proteção social? Estes são os três mais importantes:

Com base nesses critérios, os governos das economias avançadas podem aperfeiçoar as redes de proteção social ao incluir mais pessoas nos programas existentes e melhorar o impacto dos benefícios sobre a vida das pessoas.

Nos países em desenvolvimento e de mercados emergentes, os governos podem preencher lacunas na cobertura ao ampliar os programas existentes e empregar outros meios de prestação de serviços. Dois exemplos são as redes de telefonia móvel e o fornecimento de bens e serviços em espécie — sobretudo nas áreas da saúde, alimentação e transportes — para alcançar as pessoas mais necessitadas ou que atualmente não são atendidas.

As redes de proteção social podem resultar em uma melhor redistribuição se uma parcela maior dos 20% mais pobres da população receber mais benefícios em relação aos 20% mais ricos.

 

Planejar políticas discricionárias

Para ajudar as empresas a readmitir trabalhadores após a pandemia, os governos poderiam planejar cortes temporários na tributação da folha de pagamento para incentivar as empresas a contratar. Para fazer com que as pessoas gastem, poderiam ser usadas reduções nos impostos de valor agregado por um prazo definido ou instrumentos como vales-consumo. Os projetos de investimento de menor porte podem ser acelerados. De maneira mais geral, os países poderiam aprovar antecipadamente no legislativo medidas a serem acionadas automaticamente em períodos de retração, como alguns benefícios sociais e isenções fiscais. Isso permitiria que as pessoas recebessem mais rapidamente o apoio fiscal tão necessário. Ao mesmo tempo, o alcance do apoio depende da capacidade de cada país de financiar essas medidas.

Investir para o futuro

São necessários investimentos públicos de qualidade nos sistemas de saúde para proteger as pessoas e minimizar os riscos de futuras epidemias. Outras prioridades são a infraestrutura, as tecnologias verdes, como as energias eólica e solar, e os avanços nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável em setores como a educação e o acesso a saneamento e água potável. As necessidades de investimento adicional nos próximos 20 anos devem ultrapassar US$ 20 trilhões em todo o mundo, a preços atuais.

Considerando o longo tempo necessário para a execução de projetos de capital, como estradas, pontes e energia limpa, os governos devem começar agora a rever os projetos de investimento em perspectiva. Isso lhes dará tempo para resolver gargalos e preparar um conjunto de projetos prontos para serem implementados assim que o Grande Confinamento terminar.

As decisões – por exemplo, sobre até que ponto aumentar ou não os investimentos públicos de qualidade – dependerão das necessidades em setores específicos e de seus benefícios econômicos e sociais, da capacidade de financiamento e da eficiência do investimento público. Este último ponto é crucial para todos os países, porque um terço dos recursos destinados à infraestrutura pública é perdido em todo o mundo por causa da ineficiência e da corrupção.

No caso das economias avançadas com amplo espaço no orçamento, como a Alemanha e os Países Baixos, gastar mais em investimentos públicos vale a pena, pois o valor dos ativos resultantes provavelmente será superior às obrigações geradas, em vista dos juros baixos. Isso, por sua vez, aumenta o patrimônio líquido do setor público. Já no caso de países com margem de manobra reduzida em termos de gastos, como a Itália e a Espanha, é possível redirecionar receitas e despesas para aumentar o investimento.

Nas economias em desenvolvimento e de mercados emergentes como o Brasil e a África do Sul, a dívida elevada e o aumento dos pagamentos de juros exigem que o desenvolvimento seja financiado de forma prudente e sustentável. Esses países devem procurar fazer mais com menos. Aumentar as receitas tributárias no longo prazo seria crucial para países em desenvolvimento de baixa renda, como a Nigéria.

 

Administrar um peso maior da dívida pública

Apoiar a retomada da economia com ferramentas fiscais e, ao mesmo tempo, administrar níveis mais elevados de dívida pública é um delicado exercício de equilíbrio. A pandemia e suas consequências econômicas, bem como as políticas adotadas para combatê-las, vêm contribuindo para um forte aumento dos déficits fiscais e dos índices de endividamento público. Com a contenção da pandemia e a retomada econômica, o endividamento público deve se estabilizar, embora em níveis mais altos. Se a recuperação demorar mais do que o esperado, a dinâmica da dívida pode ser mais desfavorável. À medida que a pandemia for controlada, os países podem apoiar a retomada de suas economias já pensando em promover planos de reforma de médio prazo dignos de credibilidade.

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Vítor Gaspar, cidadão português, é Diretor do Departamento de Finanças Públicas do Fundo Monetário Internacional. Antes de ingressar no FMI, ocupou vários cargos superiores na área de políticas do Banco de Portugal, inclusive, mais recentemente, o de Conselheiro Especial. Foi Ministro de Estado e das Finanças de Portugal de 2011 a 2013. Chefiou o Gabinete de Conselheiros de Política Econômica da Comissão Europeia de 2007 a 2010 e atuou como Diretor-Geral de Estudos Econômicos no Banco Central Europeu de 1998 a 2004. Doutorou-se e agregou-se em Economia pela Universidade Nova de Lisboa, tendo também estudado na Universidade Católica Portuguesa.

W. Raphael Lam é Economista Sênior no Departamento de Finanças Públicas do FMI. Seus estudos atuais enfocam temas fiscais relacionados com a desigualdade, as relações intergovernamentais e as normas fiscais. Anteriormente, trabalhou na equipe da China e do Japão no Departamento da Ásia e do Pacífico e participou do programa de empréstimos à Islândia durante a crise financeira mundial. Em seus estudos anteriores, abordou também temas dos setores fiscal e financeiro. É doutor em Economia pela Universidade da Califórnia.

Mehdi Raissi é Economista Sênior do Departamento de Finanças Públicas do FMI. Ingressou no FMI em 2010 e trabalhou em diversas questões ligadas à supervisão multilateral e com uma série de países, como Itália, Índia e México. É doutor em Economia pela Universidade de Cambridge. Suas áreas de estudo incluem a modelagem macroeconométrica, as ligações macrofiscais e temas relacionados à dívida soberana.