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A política econômica na América Latina e Caribe em tempos de COVID-19

Alejandro Werner

Até a data de hoje, cerca de 3 mil pessoas morreram em decorrência do vírus da COVID-19 na América Latina e Caribe. Enquanto a pandemia continua a se alastrar pela região, os países enfrentam a pior recessão econômica desde que começaram a produzir estatísticas das contas nacionais na década de 1950. A difícil conjuntura externa, combinada com as medidas necessárias para conter a pandemia, resultou em uma queda acentuada da atividade econômica em toda a América Latina, onde o crescimento deve encolher 5,2% em 2020.

Em vista da drástica contração da economia em 2020 e à medida que os países implementam políticas para conter a pandemia e apoiar suas economias – como enfatizamos em nosso blog anterior – a expectativa é de uma forte retomada em 2021. Contudo, mesmo nesse cenário de rápida recuperação, a região enfrenta o fantasma de mais uma “década perdida” no período de 2015 a 2025.

Com choques atípicos na oferta e na demanda, uma crise sanitária e custos de financiamento elevados em toda a América Latina, as ações necessárias para mitigar os custos humanos e econômicos da crise impõem um enorme desafio e exigirão uma estratégia sem precedentes.

A resposta dos governos à crise

Embora nem sempre com a mesma velocidade, a maioria dos países da região já tomou medidas significativas de saúde pública para conter a disseminação do vírus, como o distanciamento social e restrições a atividades não essenciais. Além disso, os países reforçaram os recursos fiscais destinados à saúde para custear exames, leitos, respiradores e outros equipamentos, o que é uma prioridade absoluta, pois muitos deles ainda não estão bem preparados para enfrentar o pior da pandemia.

Em relação à política econômica, as ações têm variado. Os países recorreram a transferências diretas para as famílias vulneráveis (em alguns casos com a expansão de programas já existentes), ampliação dos programas de seguro-desemprego e flexibilização dos respectivos critérios, subsídios ao emprego, desonerações fiscais e adiamentos do pagamento de impostos em caráter temporário, bem como garantias de crédito.

Brasil, Chile e Peru anunciaram pacotes consideráveis, e a expectativa é que outros países façam o mesmo ou reforcem medidas já existentes. Os países com melhor qualidade de crédito, conforme indicada pelos spreads de mercado, de modo geral têm sido mais agressivos em sua resposta à pandemia.

Os bancos centrais da região reduziram os juros de referência e tomaram medidas para apoiar a liquidez e procurar equilibrar a situação desordenada dos mercados financeiros internos. Para garantir condições adequadas de liquidez, alguns bancos centrais ampliaram o tamanho de suas operações de provisão de liquidez, permitindo, em alguns casos, a participação de intermediários financeiros não bancários e o uso de títulos do setor privado de classificação elevada. As autoridades monetárias de vários países (Brasil, Chile, México e Peru) também intervieram nos mercados de câmbio e em outros mercados financeiros para lidar com condições desordenadas.

Além disso, os órgãos reguladores do sistema bancário instituíram uma série de medidas para facilitar a continuidade da oferta de crédito em um ambiente de incerteza e recessão. Flexibilizaram algumas regras, ao reduzir os coeficientes de depósito compulsório e as provisões para perdas com empréstimos e permitir temporariamente o uso de reservas de capital anticíclicas para facilitar a rolagem e/ou reestruturação dos empréstimos existentes. Os bancos públicos no Brasil e na Colômbia concederam crédito a pequenas e médias empresas em setores afetados mais duramente pelos lockdowns; Brasil, Chile, Peru e outros países estenderam garantias de empréstimo para ajudar as empresas afetadas a manter e obter acesso ao crédito.

Desafios na implementação

Estamos em território inexplorado, as políticas adotadas ainda estão evoluindo e, enquanto isso, as autoridades estão enfrentando desafios significativos na implementação. Por exemplo, talvez os governos não consigam fazer as transferências tradicionais chegar até as famílias vulneráveis se ainda não houver um sistema de assistência social de longo alcance ou se predominar ainformalidade no mercado de trabalho.

Além disso, é mais difícil alcançar as empresas de menor porte e as que atuam no setor informal. Dado o alto nível de informalidade na região, os países devem usar todos os cadastros e métodos possíveis para chegar às empresas menores e aos trabalhadores e empresas informais.

Uma vez que a pandemia, a recessão e as políticas necessárias terão como consequência um aumento significativo da dívida e dos déficits públicos, os países terão também que reduzir as despesas não prioritárias e aumentar a eficiência dos gastos para criar espaço fiscal no orçamento.

Os governos precisarão encontrar uma maneira de evitar que as políticas adotadas em resposta à crise sejam vistas como permanentes, se tornem arraigadas e gerem distorções, sobretudo no que diz respeito à assistência direcionada a determinados setores. Vários países com regras fiscais sobre déficits permissíveis e/ou sobre quanto seus governos podem gastar invocaram, acertadamente, cláusulas de salvaguarda para permitir aumentos extraordinários nos gastos e déficits públicos (Brasil, Chile e Peru, para citar alguns), mas as autoridades devem comunicar claramente qual será o caminho para voltar a cumprir essas regras no médio prazo.

Uma possível solução para proporcionar as receitas adicionais tão necessárias para ajudar a financiar todas essas iniciativas seria elevar a tributação dos derivados do petróleo em um momento em que os preços no mercado mundial estão mais baixos, desde que os preços internos para os usuários finais não sejam majorados. Além disso, a tensão entre o que é necessário e o que é possível também está sujeita a mudanças em função das políticas adotadas. Os países que assumirem um compromisso crível com uma política fiscal sustentável, alterando seus arcabouços tributário, fiscal e de gastos de modo a garantir as devidas correções quando a economia retomar seu curso normal, abrirão um espaço fiscal significativo no presente para enfrentar as consequências futuras.

Medidas de política monetária

Há margem para novos cortes nos juros de referência e para o apoio à liquidez. Os grandes hiatos do produto e a manutenção de juros mais baixos por mais tempo nas economias avançadas indicam que alguns bancos centrais da região poderiam reduzir ainda mais os juros, embora grandes fluxos de saída de capital possam dificultar uma nova flexibilização da política monetária.

Como os bancos comerciais podem estar cautelosos em emprestar a setores de risco em um contexto de recessão profunda, o risco de crédito poderia ser mitigado por meio da concessão de empréstimos diretos ou garantias explícitas do governo, por intermédio de bancos de desenvolvimento ou sociedades de propósito específico criadas para esse fim.

Para facilitar a rolagem de dívidas, alguns países têm adotado uma flexibilização prudente e temporária da regulação – por exemplo, proporcionar aos devedores alguma folga antes de classificar os empréstimos como vencidos e adiar as respectivas provisões onerosas.

Como o FMI pode ajudar

Vários países da região não conseguirão ter acesso a recursos suficientes para mobilizar sozinhos o elevado financiamento externo de que necessitam. Até o momento, dos cerca de 100 países que solicitaram financiamento emergencial ao FMI, 16 são da América Latina e Caribe. Além disso, outros países da região solicitaram novos programas ou a ampliação de programas já existentes, como Honduras.

Esta é uma crise sem precedentes, e o FMI está ativamente empenhado e plenamente comprometido em ajudar nossos países membros a preencher essa lacuna financeira, valendo-se de diversas ferramentas. O FMI pode usar seu balanço de US$ 1 trilhão, agilizar a aprovação de programas de crédito, aumentar os limites dos programas em curso e conceder alívio da dívida aos países membros mais pobres e vulneráveis atingidos pela pandemia, no âmbito do Fundo Fiduciário para Alívio e Contenção de Catástrofes revisto. Além dos mecanismos de emergência, o FMI está pronto para mobilizar seus instrumentos mais tradicionais (como os acordos stand-by e os programas de financiamento ampliado), bem como suas linhas de crédito contingente (como as linhas de crédito flexível e as linhas de crédito preventivo).

Como frisou nossa Diretora-Geral, Kristalina Georgieva, salvar vidas e proteger os meios de subsistência são objetivos indissociáveis. Não podemos ter um sem o outro. Nós do FMI estamos trabalhando para dar uma resposta vigorosa à crise sanitária e para proteger a força das economias.


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Alejandro Werner assumiu o cargo de Diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental do Fundo Monetário Internacional em janeiro de 2013. Cidadão mexicano, construiu uma carreira de destaque nos setores público e privado, assim como no meio acadêmico. Foi Subsecretário da Fazenda e Crédito Público do México de dezembro de 2006 a agosto de 2010, professor de Economia no Instituto de Empresa de Madri, Espanha, de agosto de 2010 a julho de 2011 e Chefe do Setor Corporativo e de Investimentos do BBVA-Bancomer de agosto de 2011 ao fim de 2012.

Foi também Diretor de Estudos Econômicos do Banco do México e professor no Instituto Tecnológico Autônomo do México (ITAM). É autor de numerosos trabalhos e foi apontado Jovem Líder Mundial pelo Fórum Econômico Mundial em 2007. Doutorou-se pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) em 1994.