(foto: Jeff Malet/Newscom) (foto: Jeff Malet/Newscom)

Políticas fiscais para combater a mudança do clima

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Vítor Gaspar, Paolo Mauro, Ian Parry e Catherine Pattillo

O aquecimento global tornou-se uma ameaça clara e presente. As ações e compromissos até esta data desapontaram. Quanto mais esperarmos, mais haverá perdas de vidas e prejuízos à economia mundial. Os ministros responsáveis pelas finanças devem desempenhar um papel central na defesa e implementação de políticas fiscais para combater a mudança do clima. Para tanto, devem reformular o sistema tributário e as políticas fiscais para desestimular a emissão de carbono oriunda do carvão e de outros combustíveis fósseis poluentes.

O relatório Monitor Fiscal auxilia as autoridades na decisão do que fazer e como fazê-lo, neste exato momento, em seus próprios países e no mundo.

Um futuro melhor é possível. Os governos precisam aumentar o preço das emissões de carbono a fim de incentivar as pessoas e empresas a reduzirem o uso de energia e migrarem para fontes de energia limpa. Os impostos sobre o carbono são as ferramentas mais poderosas e eficazes, mas somente se implementados de maneira justa e favorável ao crescimento.

Para que esses impostos sejam politicamente viáveis e economicamente eficientes, os governos devem decidir como usar essa nova receita. Algumas opções são o corte de outros tipos de impostos, o apoio a famílias e comunidades vulneráveis, o aumento do investimento em energia verde ou simplesmente a devolução do dinheiro à população como dividendos.

O preço a pagar

A fim de conter o aquecimento global em até 2oC — nível considerado seguro pela ciência — os grandes países emissores precisam adotar medidas ambiciosas. Devem, por exemplo, instituir um imposto sobre o carbono que aumente rapidamente até chegar a US$ 75 por tonelada em 2030.

Isso significaria que, em média, a conta de energia elétrica das famílias aumentaria 45% no total durante a próxima década — o aumento seria maior nos países mais dependentes do carvão para a geração de eletricidade. A gasolina passaria a custar 14% a mais em média.

No entanto, a receita desse imposto, entre 0,5% e 4,5% do PIB (dependendo do país), poderia ser usada para cortar outros impostos, como o imposto de renda ou os encargos sociais que prejudicam o incentivo ao trabalho e investimento.

Os governos também poderiam usar o dinheiro para apoiar os trabalhadores e comunidades afetados desproporcionalmente, como aqueles em áreas de mineração de carvão, ou para distribuir dividendos iguais a toda a população. Ou ainda, os governos poderiam compensar somente as famílias entre as 40% mais pobres, uma medida que possibilitaria que três quartos das receitas fossem usadas para um maior investimento em inovação e energia verde ou para o financiamento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

O dinheiro dos contribuintes também ajudaria a salvar mais de 700 mil pessoas por ano em economias avançadas e emergentes que atualmente morrem devido à poluição  do ar local. Esse dinheiro ainda ajudaria a conter o aquecimento global futuro, conforme acordado pela comunidade internacional.

Sim, é possível

Cerca de 50 países têm algum tipo de sistema de fixação de preços do carbono. Entretanto, o preço médio mundial atualmente é de apenas US$ 2 por tonelada, muito abaixo do que o planeta precisa. O desafio é conseguir que mais países adotem esse tipo de sistema e que aumentem o preço.

A Suécia vem dando um bom exemplo. O imposto sobre o carbono é de US$ 127 por tonelada, e o país conseguiu reduzir as emissões em 25% desde 1995, período em que a economia cresceu 75%.

Quando agem de forma isolada, os países podem hesitar em impor um preço mais elevado para o carbono, devido à preocupação, por exemplo, com o impacto do custo mais alto da energia na competitividade de sua indústria.

Os governos podem enfrentar esse problema acordando um preço mínimo para o carbono dirigido aos países com altos níveis de emissão. Isso pode ser feito de modo equitativo, fixando-se um preço mínimo mais rigoroso para as economias avançadas. 

A título de exemplo, um preço mínimo de US$ 50 e US$ 25 por tonelada em 2030 para os países avançados e em desenvolvimento do G20, respectivamente, geraria uma redução 100% maior do que os atuais compromissos dos países no Acordo de Paris sobre a Mudança do Clima, de 2015. Os países que quiserem adotar políticas diferentes, como regras para reduzir as taxas de emissão ou conter o uso do carbono, poderiam ainda aderir ao acordo do preço mínimo indiretamente, calculando o custo de suas políticas em termos equivalentes ao preço do carbono.

Quem polui paga

Os feebates são outra opção disponível às autoridades. O termo em inglês sugere um sistema em que os governos cobram uma taxa (fee) dos poluidores e oferecem um abatimento (rebate) por práticas que levem em conta a eficiência energética ou que sejam favoráveis ao meio ambiente. Os feebates incentivam as pessoas a reduzirem suas emissões por meio da escolha de veículos híbridos, em vez de carros com alto consumo de gasolina, ou mediante o uso da energia renovável, como a solar ou eólica, no lugar do carvão.

As políticas precisam ir além do aumento do preço das emissões oriundas da geração de energia ou do transporte doméstico. Também se faz necessário introduzir sistemas de precificação para outros gases de efeito estufa resultantes, por exemplo, da silvicultura, agricultura, indústrias extrativas, produção de cimento e transporte internacional.

Os governos precisam adotar medidas que apoiem o investimento em tecnologia limpa. Isso inclui a modernização da rede elétrica para adaptá-la à energia renovável, pesquisa e desenvolvimento e incentivos para a superação das barreiras às novas tecnologias, como o tempo decorrido até que as empresas possam produzir energia limpa com eficiência.

 

O mundo está buscando formas de estimular um tipo de investimento e crescimento que gere empregos. Não há maneira melhor do que o investimento em energia limpa para desacelerar a mudança do clima e promover a adaptação a ela. A transição para a energia limpa pode parecer uma tarefa hercúlea, mas as autoridades têm condições de agir para alterar o curso atual da mudança do clima. Como disse Nelson Mandela, “tudo parece impossível até que seja feito”.

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Vitor Gaspar, cidadão português, é Diretor do Departamento de Finanças Públicas do Fundo Monetário Internacional. Antes de ingressar no FMI, ocupou vários cargos superiores na área de políticas do Banco de Portugal, inclusive, mais recentemente, o de Conselheiro Especial.  Foi Ministro de Estado e das Finanças de Portugal de 2011 a 2013. Chefiou o Gabinete de Conselheiros de Política Econômica da Comissão Europeia de 2007 a 2010 e atuou como Diretor-Geral de Estudos Econômicos no Banco Central Europeu de 1998 a 2004. Doutorou-se e agregou-se em Economia pela Universidade Nova de Lisboa, tendo também estudado na Universidade Católica Portuguesa.

Paolo Mauro é Subdiretor do Departamento de Finanças Públicas do FMI. Anteriormente, ocupou vários cargos de chefia nos Departamentos da África, de Finanças Públicas e de Estudos do FMI. Foi pesquisador sênior no Peterson Institute for International Economics e professor visitante na Carey Business School da Universidade Johns Hopkins de 2014 a 2016. Seus artigos já foram publicados em periódicos como o Quarterly Journal of Economics, o Journal of Monetary Economics e o Journal of Public Economics, e são amplamente citados no meio acadêmico e em importantes veículos da imprensa. É o coautor de três livros: World on the Move: Consumption Patterns in a More Equal Global Economy, Emerging Markets and Financial Globalization e Chipping Away at Public Debt.

Catherine Pattillo é  Diretora Adjunta do Departamento de Finanças Públicas e Chefe da Divisão de Política e Supervisão das Finanças Públicas, responsável pela publicação Monitor Fiscal do FMI.  Trabalha com temas macrofiscais. Desde que ingressou no Fundo após ocupar um cargo na Universidade de Oxford, serviu no Departamento de Estudos e em países da África e do Caribe, e no Departamento de Estratégia, Políticas e Avaliação, onde trabalhou com assuntos referentes a países de baixa renda e temas emergentes como gênero, desigualdade e mudança do clima. É autora de numerosas publicações nessas áreas.

Ian Parry é o Especialista Principal em Política Fiscal Ambiental do Departamento de Finanças Públicas do FMI. Suas especialidades são a análise fiscal das mudanças climáticas, o meio ambiente e as questões energéticas.  Antes de ingressar no FMI em 2010, foi titular da cadeira Allen V. Kneese de Economia Ambiental, criada pela Resources for the Future.