A República Checa exporta apenas um pequeno número de carros e autopeças diretamente para os Estados Unidos, mas provavelmente sofreria danos econômicos consideráveis se Washington impusesse tarifas sobre as importações do setor automobilístico. O motivo: os checos fornecem peças utilizadas na montagem de carros exportados por outros países europeus.
A indústria automobilística europeia é uma das muitas que fazem parte das cadeias globais de valor, nas quais as diferentes etapas da fabricação estão dispersas entre vários países. Como quase 70% das exportações europeias estão vinculadas a cadeias de valor, as tarifas impostas sobre produtos fornecidos por um país podem afetar muitos outros. É por isso que, como explicamos em um estudo recente, é importante considerar a manufatura através do prisma das cadeias de valor ao avaliar o possível impacto econômico das tarifas ou de outros choques na economia.
Duas medidas
Para isso, precisamos distinguir entre duas medidas: o valor bruto e o valor agregado. Quando um residente da Alemanha compra um Volkswagen originário de uma fábrica em Bratislava, a compra é registrada em termos brutos como uma exportação da República Eslovaca para a Alemanha. Contudo, embora esse carro tenha sido montado na República Eslovaca, as peças do motor e outros componentes vieram de países terceiros que respondem por uma parcela maior do valor agregado ao produto final do que a montagem propriamente dita.
A distinção entre os indicadores tradicionais de exportações brutas e de exportações de valor agregado é especialmente importante no caso da Europa, pois a diferença entre os dois é grande; as exportações de outros países europeus para a Alemanha correspondem a 8,3% do PIB em termos brutos, mas a apenas 2,9% do PIB em termos de valor agregado.
Para entender a importância dos indicadores do valor agregado, considere um cenário em que os Estados Unidos impõem uma tarifa de 25% sobre as importações de carros e autopeças. As exportações brutas de carros e peças da União Europeia para os Estados Unidos equivalem a 0,3% do PIB da UE. A perda estimada do produto para a UE é de 0,1% do PIB, levando em conta os vínculos das cadeias produtivas. Todavia, apenas metade do impacto ocorre nos setores e países diretamente afetados. O restante é transmitido por meio de outros setores e parceiros comerciais ao longo das cadeias produtivas. As perdas são distribuídas entre mais países europeus do que os dados brutos das exportações poderiam sugerir.
Voltemos ao caso da República Checa. Suas exportações diretas de carros e peças para os Estados Unidos são desprezíveis em termos de valor bruto. Contudo, em termos de valor agregado, a República Checa seria a quarta economia europeia mais prejudicada pelas tarifas sobre os automóveis.
Em nosso estudo, também examinamos como uma grande variação no ritmo de crescimento dos Estados Unidos, da China ou da Alemanha — os três grandes centros comerciais mundiais — afetaria a Europa por intermédio das cadeias de valor. Nossa principal conclusão foi que as repercussões do crescimento dos Estados Unidos e da China são consideráveis, com impactos maiores sobre as economias mais expostas a esses países em termos das exportações de valor agregado.
Por outro lado, estimamos que um choque no crescimento com origem na Alemanha teria um impacto menor. Isso provavelmente reflete a menor dimensão da economia alemã em relação à dos Estados Unidos e à da China. Além disso, a economia aberta e diversificada da Alemanha é relativamente resiliente e, por isso, não foi uma fonte importante de choques independentes no período da análise (após 1995). Mesmo assim, a Alemanha poderia transmitir choques originados em outros lugares, e seu impacto poderia ser maior se o crescimento fosse mais impulsionado pela demanda interna. Foi o que se verificou no período em torno da reunificação das Alemanhas Ocidental e Oriental em 1990.
Essas constatações podem ser valiosas para as autoridades: medir as exportações com base nos indicadores do valor agregado proporciona um retrato mais preciso do impacto distributivo dos possíveis choques comerciais. E entender melhor como os choques comerciais se propagam por meio das cadeias de valor poderia ser útil para formular medidas compensatórias, além de políticas para ajudar as pessoas com maior probabilidade de serem afetadas.
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Raju Huidrom é Economista da Divisão de Economias Emergentes do Departamento Europeu do Fundo Monetário Internacional. Trabalhou anteriormente no Banco Mundial, no Conference Board e no Conselho Indiano de Pesquisa sobre Relações Econômicas Internacionais.
Carlos Mulas-Granados é Economista Sênior do Departamento Europeu do Fundo Monetário Internacional. Antes de ingressar no FMI, foi professor de Economia Aplicada na Universidade Complutense, Diretor Executivo da Ideas Foundation e Subdiretor do Gabinete Econômico do Primeiro-Ministro espanhol.
Laura Papi é Diretora Adjunta do Departamento da Ásia e do Pacífico do Fundo Monetário Internacional, onde chefia a Divisão da Ásia Meridional. Seu trabalho cobre uma ampla gama de países, mais recentemente a Índia. Anteriormente, foi Diretora Associada do Deutsche Bank, em Londres, onde conduziu estudos sobre mercados emergentes, concentrando-se na Turquia e nas economias emergentes da Europa (1997-2000). Doutorou-se pela Universidade de Warwick (Reino Unido).
Emil Stavrev é Subchefe da Divisão de Economias Emergentes do Departamento Europeu do Fundo Monetário Internacional. Anteriormente, foi Subchefe de Divisão no Departamento de Estudos. Liderou também a Divisão de Modelos Econômicos do Banco Nacional Checo.