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Projetando uma forma de consolidação fiscal mais justa na América Latina

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Com a expectativa que o crescimento ganhe impulso em 2018, é chegado o momento para que a América Latina e o Caribe se concentrem em recuperar suas folgas fiscais que se deterioraram nos últimos anos, quando o fim do superciclo das commodities e outros fatores levaram a uma forte queda na arrecadação

Nosso mais recente relatório sobre as Perspectivas Econômicas Regionais: As Américas sugere que hoje a consolidação fiscal é necessária na maioria dos países para conter a expansão da dívida pública. Contudo, como se espera que a região apresente taxas de crescimento apenas modestas nos próximos anos, o principal desafio será como projetar políticas fiscais que permitam aos países preservar os avanços recentes rumo à maior igualdade de renda.

Com efeito, desde o início do milênio a região já conseguiu progressos significativos na redução da desigualdade de renda em comparação com a maioria das demais regiões, onde a desigualdade é hoje pior do que em 2000. Esses ganhos foram generalizados na região, mas mais pronunciados nos grandes exportadores de commodities da América do Sul; boa parte desse progresso reflete o aumento dos rendimentos dos trabalhadores menos capacitados, sobretudo no setor de serviços (FMI, REO 2018).

A política fiscal desempenhou um papel importante na redução das desigualdades na América Latina e Caribe – embora tenha tido um papel de menor relevo nas economias mais avançadas. Estima-se que, em termos consolidados, a política fiscal tenha reduzido as desigualdades de renda em uma média de cerca de 15% nos países da região, já que suas ferramentas de tributação e gastos redistribuem renda para aqueles em pior situação (Gráfico 1). Embora isso se compare favoravelmente com outros mercados emergentes, o grosso do impacto da política fiscal sobre a desigualdade de renda na região vem dos gastos com saúde e educação e não de instrumentos tradicionais, como tributação ou transferências.

Nossas constatações revelam o seguinte:

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● Instrumentos fiscais com efeito direto sobre a renda (imposto de renda de pessoa física, transferências em dinheiro, aposentadorias) têm poder redistributivo limitado: eles reduzem as desigualdades de renda em apenas 4%, em comparação com 8% em outros mercados emergentes e 35% nas economias avançadas.

● Instrumentos fiscais com efeito indireto sobre a renda (impostos sobre bens e serviços e transferências indiretas, como subsídios ou isenções tributárias) praticamente não têm poder redistributivo na América Latina e Caribe. Em muitos países da região, essas políticas fiscais são na realidade regressivas, já que são compostas por subsídios direcionados a bens como energia, que beneficiam desproporcionalmente os grupos de renda mais alta.

● Os gastos do governo em saúde e educação estão reduzindo as desigualdades na região mais do que a tributação e as transferências. Esses gastos beneficiam os pobres proporcionalmente mais do que aqueles em melhor situação e reduzem a desigualdade de renda em cerca de 10% – quase duas vezes mais do que em outros mercados emergentes. Mas isso se deve a resultados especialmente robustos em países como Argentina, Costa Rica, Brasil e Uruguai, onde esse tipo de gasto social se mostrou particularmente progressivo.

Porque a América Latina é diferente

Por que os sistemas tributários e as principais redes de segurança são menos eficientes para atenuar a desigualdade de renda do que sistemas similares em outras regiões? Um dos motivos é que seu poder redistributivo reflete não apenas a progressividade dos instrumentos fiscais, mas também sua magnitude.

Por exemplo, as receitas do imposto de renda de pessoas físicas, que tende a ser mais progressivo do que outros tipos de tributação (FMI 2014), são menores na América Latina e Caribe do que em outras regiões. Isso ocorre porque as alíquotas relativamente elevadas adotadas na região são efetivamente erodidas pelos grandes incentivos e isenções fiscais, bem como pela economia informal, fatores que diminuem as bases tributárias.

Além da composição dos tributos, em alguns países a forte progressividade dos gastos em saúde e educação é menos eficiente devido ao volume relativamente limitado de tais dispêndios.

Por último, em alguns países a grande parcela de gastos não discricionários (por exemplo, o pagamento de juros) também limita o poder redistributivo da política fiscal ao reduzir o espaço para os gastos sociais.

Projeto de ajuste fiscal na região

Então, qual é a composição adequada de ajuste fiscal para sustentar o crescimento e os objetivos sociais na América Latina e no Caribe? O corpo técnico do FMI vem estudando essa questão de forma mais intensiva (FMI 2017). Suas constatações ajudaram a aprofundar e embasar as consultas do Artigo IV e as recomendações de política econômica em países como República Dominicana, Guatemala, Honduras e Bolívia. Embora não exista uma estratégia de “tamanho único”, as constatações a seguir se aplicam à maioria dos casos:

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Javier Arze del Granado é Economista Sênior do Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI. Ingressou no FMI em 2018, tendo trabalhado inicialmente no Departamento de Finanças Públicas e depois no Departamento de África do FMI. Antes de ingressar no FMI, trabalhou na Rede para a Redução da Pobreza e Gestão Econômica do Banco Mundial (2004-2007).  Doutorou-se em economia pela Georgia State University.

Kimberly Beaton é Economista Sênior do Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI, com ampla experiência na América Central e no Caribe. Anteriormente, foi assessora sênior do Diretor Executivo do FMI para o Canadá, Irlanda e Caribe. Antes de ingressar no FMI, foi economista sênior no Banco do Canadá. Graduou-se pela Queen’s University e a Saint Mary’s University do Canadá.

Aliona Cebotari é Subchefe de Divisão do Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI.