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Como o boom das commodities ajudou a reduzir a pobreza e a desigualdade na América Latina

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A América Latina pode ser a região mais desigual do mundo, mas é a única que conseguiu uma redução significativa da desigualdade nas últimas duas décadas. E a disparada dos preços das commodities contribuiu para isso.

Com o fim do boom das commodities, as taxas de pobreza estão subindo em alguns países latino-americanos e a geração de empregos desacelerou. A região precisa encontrar novas maneiras de elevar a baixa arrecadação de receitas e, assim, abrir espaço para mais gastos em áreas sociais importantes, como educação e saúde. Isso ajudará a sustentar o crescimento e reduzir a desigualdade e a pobreza.

Os benefícios de um boom, sobretudo para a América do Sul

No nosso mais recente relatório sobre as perspectivas econômicas regionais para a América Latina, mostramos que a taxa de pobreza caiu de cerca de 27% para 12%, e a desigualdade recuou quase 11% em toda a América Latina entre 2000 e 2014. Nesse período, comumente chamado de boom das commodities, os preços de produtos como o petróleo e os metais, subiram de forma constante graças à demanda crescente de economias emergentes como a China e a Índia.

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Durante o boom das commodities, a América do Sul, onde se localizam muitos exportadores de commodities, viu as suas relações de troca mdashhere— o preço das exportações em relação ao preço das importações mdashhere— receberem um impulso significativo. E muitos dos países sul-americanos exportadores de commodities, como a Bolívia, o Brasil e o Peru, também registraram as maiores diminuições da pobreza e da desigualdade.

Mais especificamente no caso da pobreza, os exportadores de commodities registraram reduções maiores em comparação com os importadores de commodities, com a exceção do Chile (onde o nível de pobreza já era baixo) e Honduras, que experimentaram melhorias menores do que alguns exportadores de outros produtos, como a Nicarágua e o Panamá.

Mas como isso se deu? O crescente setor de commodities teve uma franca expansão e atraiu mão de obra, o que ocasionou uma elevação dos salários e do emprego. A demanda por mais trabalhadores também se espalhou para outros setores, como o de construção. Ao mesmo tempo, as receitas públicas aumentaram, o que apoiou a elevação do investimento público e estimulou a geração de empregos.

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Com isso, os exportadores de commodities obtiveram ganhos reais significativamente maiores em termos de renda e emprego em comparação com os exportadores de outros produtos. E como os trabalhadores menos qualificados obtiveram os maiores ganhos, a pobreza e a desigualdade caíram. É importante ressaltar que alguns governos se valeram do crescimento da arrecadação para aumentar as transferências sociais para grupos de baixa renda mdashhere— como os programas de previdência sem contrapartida Renta Dignidad, na Bolívia, e Pensión 65, no Peru, e o programa de transferência de renda Bolsa Família, no Brasil. Com isso, reduziu-se ainda mais a pobreza e a desigualdade.

Em termos gerais, uma vez que a renda do trabalho responde por uma parcela muito maior do total da renda das famílias do que as transferências do governo, o aumento da renda do trabalho teve uma importância maior na redução da pobreza e desigualdade em geral.

A redistribuição dos ganhos para as regiões produtoras de recursos naturais

Em vez de gastar no nível do governo central, vários países exportadores de commodities, como a Bolívia, o Brasil e o Peru, redistribuíram grande parte da receita da extração de recursos naturais para os municípios e regiões onde a extração de recursos estava localizada.

Se examinarmos os municípios da Bolívia e do Brasil, constatamos que a pobreza caiu um pouco mais naqueles em que as transferências de receitas relacionadas a recursos naturais foram maiores, como as participações em royalties e outros tributos relacionados a commodities.

Contudo, essa prática pode ter várias desvantagens. Primeiro, tanto no Peru quanto na Bolívia, alguns governos locais que auferiram maiores receitas extraordinárias per capita começaram a acumular grandes depósitos durante o boom, enquanto outras regiões com infraestrutura precária e níveis elevados de pobreza enfrentavam enormes necessidades de investimento.

Segundo, em virtude da natureza volátil das receitas das commodities, é um desafio administrá-las mesmo no nível do governo central, o que é amplificado no nível local por instituições mais fracas e pessoal menos qualificado.

Essa dificuldade pode ser testemunhada nas mais importantes regiões produtoras de commodities da Bolívia e do Brasil, respectivamente, Tarija e Rio de Janeiro. Ambas receberam enormes transferências fiscais relacionadas a commodities durante o boom, mas, desde o fim desse ciclo de alta, têm enfrentado graves pressões orçamentárias, pois sua arrecadação entrou em colapso.

Como administrar o impacto da queda dos preços das commodities

Constatamos que, os governos da região precisarão gerar mais receita e gastar com mais eficiência se quiserem manter a qualidade dos gastos sociais e em infraestrutura. Isso é importante, pois a América Latina já gasta consideravelmente menos em proteção social do que as economias de mercados emergentes da Europa ou as economias avançadas.

Para fazer isso, os países podem:

● Aumentar a arrecadação de impostos progressivos sobre a renda da pessoa física, que tendem a ser menores na América Latina em comparação com os de outras regiões.

● Reduzir os subsídios à energia, que geralmente beneficiam muito mais os ricos do que os pobres.

● Direcionar melhor os gastos sociais já existentes e zelar para que os demais gastos não sejam desperdiçados.

● Considerar melhor as necessidades de gastos (por exemplo, tamanho da população e níveis de pobreza) ao transferir para regiões e municípios recursos fiscais associados à produção de commodities.

● Estudar a possibilidade de ampliar o uso de fundos de estabilização no caso de receitas voláteis de recursos naturais, com regras claras e mecanismos de governança.

● Continuar a ampliar a capacidade no nível local. Por exemplo, é importante melhorar a capacitação do pessoal dos governos locais, assegurando que tenham acesso às tecnologias corretas e evitando a rotatividade excessiva de funcionários.

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E como a melhoria da educação contribuiu de forma importante para reduzir a desigualdade e retirar as pessoas da pobreza durante o boom, será crucial melhorar a qualidade do ensino para apoiar novos avanços em um mundo pós-boom.

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Ravi Balakrishnan é o chefe da missão do FMI para o Peru e trabalha no Departamento do Hemisfério Ocidental. Anteriormente, ajudou a gerenciar a equipe dos EUA e foi chefe da missão para a Bolívia. Também foi o Representante Residente do FMI em Singapura de 2010 a 2013 e trabalhou no World Economic Outlook. Seus estudos têm como temas a dinâmica do trabalho, a desigualdade, a dinâmica da inflação, a dinâmica da taxa de câmbio e os fluxos de capital. É doutor pela London School of Economics.

Frederik Toscani é economista no Departamento do Hemisfério Ocidental e trabalha com a Colômbia e o Peru. Anteriormente, trabalhou com a Bolívia e o Uruguai e no Departamento de Finanças Públicas. Seus estudos se concentram em questões de economia pública, economia política e crescimento econômico. É doutor pela Universidade de Cambridge.